Perguntaram a um alto executivo de uma multinacional, com ampla presença na América Latina, qual era a sua percepção sobre a Região, levando em conta as más notícias, as dificuldades e as crises que, periodicamente, são noticiadas pelos meios de comunicação. O executivo, olhando laconicamente para o jornalista, lembrou-o de um dos clássicos da arte da comunicação: “Veja bem, se não deixarmos clara a diferença entre “tendências” e “manchetes”, estaremos nos equivocando com a América Latina”.
Talvez este seja um daqueles momentos na história de uma Região em que não é conveniente estar preso às manchetes ameaçadoras que circulam por toda parte e em que é preciso olhar para cima, tentando encontrar uma perspectiva maior e uma melhor visão geral de conjunto.
É verdade que a tentação é forte. Tomamos café da manhã com inúmeras manchetes, que nos lembram que os processos judiciais contra a corrupção continuam em curso, que as desigualdades sociais não foram eliminadas e que as lacunas digitais e de infraestrutura não foram encerradas. Essas manchetes, seguem emoldurando a percepção do que acontece em um determinado lugar e marcam a impressão do leitor.
Muito além do ruído…
A fim de fornecer uma visão de contexto que nos permita superar o ruído das primeiras páginas, vejamos como se encontra a América Latina, em suas linhas gerais, para ver como podemos ajustar a percepção. De acordo com os dados do Fundo Monetário Internacional e suas Perspectivas Econômicas Regionais, a boa notícia é que a América Latina se mantém no caminho da recuperação: as projeções de crescimento preveem um crescimento de 1,2% em 2018 e, em projeções um pouco melhores, de 2,2% em 2019.
No entanto, esta recuperação está perdendo força em razão de uma série de contracorrentes globais que afetam o crescimento da Região. Pensamos na demanda externa e no movimento global do comércio, que está perdendo força; os preços das matérias-primas que, embora tenham se recuperado em relação ao nível mínimo a que já caíram, não parece que atingirão os níveis de 2011-2012. Da mesma forma, as condições financeiras tornaram-se um pouco mais restritivas para os países da América Latina e para o positivo desenvolvimento da economia dos EUA, isso se traduziu em um fortalecimento do dólar, levando a inúmeras moedas da região à sua correspondente desvalorização.
Apesar deste panorama de incerteza, a recuperação da Região segue seu curso e apresenta elementos que levam à esperança: o investimento privado está se recuperando e contribui de forma decisiva para o crescimento da Região. Da mesma forma, o consumo privado tem mostrado ser outro dos pilares relevantes do desenvolvimento, uma vez que, tanto o crescimento dos empregos quanto dos salários reais, permaneceram sólidos nas principais economias latino-americanas
Razões para a euforia? Não exatamente.
O grande problema da moderação no crescimento regional é que este está produzindo uma recuperação “divergente” na América Latina. Por um lado, a recuperação desacelerou, de maneira especial em algumas das principais economias da Região, com o México e Brasil. No entanto, por outro lado, as perspectivas de crescimento estão se mantendo firmes nos países andinos.
Diante dessa abordagem tão díspar, como podemos fazer sugestões sobre a ideia de que a América Latina representa uma referência para suas atividades a um investidor? Como enfrentar, em termos de percepção, esse crescimento desigual?
Até o momento, cada um dos países da Região tentou salientar suas vantagens competitivas em relação ao restante dos mercados, o que conhecemos como Marca-País ou Country Brand, como o recipiente da reputação e da imagem de um país, que permite posicionar-se nos mercados internacionais.
Infelizmente, alguns dos países que compõem a América Latina atravessam uma situação complexa, que faz com que sua Marca seja severamente danificada e posta em xeque. É o caso da Venezuela ou da Nicarágua, em razão de suas situações políticas, mas também poderiam ser outros países, por seus níveis de corrupção, insegurança jurídica, crise econômica, etc. E o que é pior, a somatória de marcas-países negativas não está contribuindo para formar um verdadeiro polo de atração regional.
De fato, a África está na moda, a Europa sofre, a Ásia desponta… então, o que fazemos com a América Latina? Devemos propor uma abordagem mais global, no qual as vantagens competitivas que a América Latina, como um todo, é capaz de oferecer ao restante do mundo sejam postas em evidência.
Estamos falando, em suma, de um pensamento global, de uma Marca-Continente da América Latina ou de um conjunto de intangíveis que compõem a reputação e a imagem de um determinado espaço geográfico. Dada uma visão local e conjuntural, propomos oferecer uma América Latina global e estrutural, que transcenda a titularidade e que busque focar nas grandes oportunidades oferecidas, como sua riqueza demográfica, renda per capita em franco crescimento, consolidação da classe média, etc.
Seria necessário agregar a esta Marca-Continente atributos apropriados para que esta seja transformada em uma verdadeira proposta de valor sobre o que a América Latina pode oferecer ao investidor que tem interesse em desenvolver uma atividade empresarial; ao turista, com suas expectativas culturais, de lazer e diversão; enfim, ao visitante, que decidiu se aproximar desse continente, apesar das ofertas atraentes que os outros tenham apresentado.
Possivelmente, com este exercício de construção da Marca Continente, não nos reduziremos às manchetes nem às primeiras páginas das muitas situações complexas que ainda atravessam alguns países nesta bela parte do mundo, mas, sem dúvida, ajudaremos a não cometerem erros aqueles que tem que tomar alguma decisão sobre a América Latina.