A conquista olímpica das redes sociais

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13 ago 2024

Mais de 3 milhões de espectadores se reúnem a cada quatro anos para ver mulheres e homens quebrarem recordes em pistas, piscinas, trampolins e arenas. A televisão e os meios de comunicação nos permitem há muito tempo desfrutar das competições e conhecer os três medalhistas cujos nomes percorrem o mundo. No entanto, até muito pouco tempo atrás nós quase não sabíamos nada sobre as vilas olímpicas onde residem quase 11 mil atletas durante 15 dias.

Então, chegaram os Jogos de Londres. E com eles começamos a conhecer um pouco mais sobre Michael Phelps, sua dieta e seus treinamentos que tiveram uma enorme repercussão. Também o vimos dançar ao ritmo de “Call me maybe” com toda a equipe de natação, um dos primeiros conteúdos a viralizar. No Rio, os stories do Instagram e do Snapchat permitiram que os atletas compartilhassem conteúdo mais informal e mostrassem as suas vidas por trás das câmeras. E finalmente, em Tóquio 2020, pudemos ver o impacto real da viralização por meio do TikTok e conseguimos nos conectar com pessoas reais, além das suas imagens olímpicas. Foi o caso de Simone Biles, que acabaria decidindo priorizar a saúde mental em detrimento da competição.

Nos Jogos Olímpicos de Paris 2024, estamos presenciando uma nova maneira de vivenciar este evento olímpico. Vemos os atletas que dão a volta ao mundo sem sequer terem se classificado para as finais das suas competições e imagens que só fazem sentido à luz de memes e dos trends. O que esses momentos virais da cidade luz nos ensinaram?

 

 

É possível ser um ícone e gerar tendência mundial sem ganhar uma medalha

Henrik Christiansen, um nadador norueguês dos Jogos Olímpicos de Paris 2024, viralizou como “Muffin Man” devido à sua paixão pelos muffins de chocolate servidos na Vila Olímpica. Os seus vídeos divertidos no TikTok mostram o seu amor pelos bolinhos, para os quais deu nota “11/10” e não hesitou em esconder alguns e olhar para eles apaixonadamente.

Os vídeos de Christiansen contagiaram alguns atletas, que transformaram o áudio do TikTok em tendência, alcançando mais de 20 milhões de reproduções apenas com um conteúdo sobre muffins. Dessa forma, ele aumentou a sua comunidade em 220%, mantendo uma taxa de engajamento de 14,8%, 8,5% a mais que o atingido pelo seu primeiro vídeo sobre o muffin. Quem diria para esse atleta que todos na vila olímpica o conheceriam e pediriam para fazer vídeos com ele?

 

 

O jogo da reputação: uma estratégia always on

Os Jogos Olímpicos não são apenas uma oportunidade de classificação esportiva para os atletas. Eles também representam a maior oportunidade para reforçar as suas marcas pessoais e chamar a atenção de patrocinadores, marcas parcerias e diversas oportunidades profissionais. O mesmo acontece com as cidades-sede dos Jogos Olímpicos, que são submetidas a constantes comparações com o desdobramento econômico e a organização estratégica de edições anteriores. Paris 2024 nos deixou muitas reflexões a esse respeito.

No âmbito de marca pessoal, vimos o retorno de uma Simone Biles mais forte do que nunca que, além de brilhar na sua atuação esportiva, trabalhou a sua marca pessoal por meio de diferentes canais ao longo do tempo. Desde que se retirou da final de Tóquio por, segundo suas declarações, não estar preparada mentalmente, a ginasta se transformou em um ícone de saúde mental. Depois de quatro anos, ela reapareceu nos Jogos Olímpicos com um documentário na Netflix que explica todo o trabalho por trás do seu retorno usando a narrativa do poema “Still I rise”, de Maya Angelou , “Ainda assim eu me levanto”, em tradução livre para o português.

Outros atletas, no entanto, sofreram os estragos de viralizações não intencionais. Foi o caso do nadador italiano Thomas Ceccon que se viu envolvido em uma enxurrada de conteúdo viral depois de um vídeo em que foi gravado dormindo em um parque supostamente devido às altas temperaturas na vila olímpica, situação da qual já havia reclamado. Depois que o vídeo viralizou, o remador saudita Husein Alireza, autor do conteúdo feito para os seus stories do Instagram, denunciou a quantidade de fake news e comentou que era comum atletas cochilarem ao ar livre perto do rio. Thomas Ceccon, por outro lado, afirmou: “tirei um cochilo de uma hora e as redes sociais explodiram”.

Mas não apenas os atletas vivem uma experiência de Jogos Olímpicos dominada pela reputação. A própria cidade de Paris se viu envolvida em inúmeras conversas nas redes que abordam os mais diversos temas: as “piscinas lentas”, aparentemente devido a uma profundidade menor do que diz a regulamentação; a cerimônia de abertura dos Jogos, altamente viralizada por uma reação de rejeição da comunidade cristã devido a uma representação específica recebida como ofensa; ou uma das polêmicas mais comentadas: saber se as águas do Sena são ou não seguras para nadar.

Do ponto de vista da comunicação, esta última polêmica teve vários giros de discursos interessantes que valem a pena estudar levando em consideração a gestão da reputação de marca turística e institucional. Tanto a prefeita de Paris, Anne Hidalgo, como a ministra de Esportes, Amelie Oudea-Castera, tomaram banho no Sena para demonstrar confiança na limpeza do rio realizada antes dos Jogos. No entanto, no seu decorrer várias provas foram suspensas ou adiadas devido aos resultados do monitoramento da água, o que comprometeu a imagem da cidade na cobertura nas redes sociais e apesar de Paris ter anunciado que o Sena estará aberto ao público para banho em 2025.

 

 

A diversidade e a representação são a chave para a conexão

Poucas pessoas podem se sentir refletidas no físico ou nas capacidades dos atletas de alto rendimento. Durante os primeiros dias dos Jogos, pudemos ver Yusuf Dikec, um homem de 51 anos e aparência simples, ganhar a prata em Tiro sem nenhum equipamento técnico e com uma mão no bolso. Nas suas primeiras declarações, depois de viralizar, ele disse que apesar de ter representado o seu país em duas edições seguidas, nunca tinha aparecido no radar dos fanáticos. Agora, com milhões de memes e comentários ao redor do mundo, pôde entrar para a história como alguém que fez muitos sonharem com a possibilidade de chegar algum dia ao nível máximo da competição olímpica.

Quando falamos de representação, não podemos deixar de celebrar a alegria das atletas que também são mães, rompendo as desigualdades de gênero mais fortes no âmbito esportivo. Anos atrás, Allyson Felix conseguiu vencer um processo por discriminação por estar grávida. Hoje, ela conseguiu que o COI disponibilizasse salas de amamentação na Vila Olímpica. Desta forma, vimos fotos virais de atletas que podem abraçar os seus bebês depois de ganhar uma partida e mulheres grávidas competindo e vencendo. Qual será o próximo estigma a ser quebrado?

 

 

Os Jogos Olímpicos evidenciam o aumento da polarização do debate social

Este ano, os Jogos Olímpicos também se constituíram em um reflexo das profundas divisões que caracterizam um mundo cada vez mais polarizado. Somente nos últimos cinco anos e de acordo com o nosso relatório “The Hidden Drug”, a polarização cresceu até 40%, com Argentina e Espanha encabeçando a lista dos principais países de língua espanhola. Entre os temas mais polarizados, de acordo com o estudo “Da palavra ao algoritmo” que lançamos no começo deste ano, estão a mudança climática, o racismo e o feminismo, e não é de se estranhar que eventos globais como os Jogos Olímpicos sejam palco dessas divisões.

A participação de Imane Khelif, reconhecida boxeadora intersexual da Argélia, é um exemplo palpável deste fenômeno nas redes sociais. A sua presença nos Jogos deu início a um debate acalorado nas redes sociais sobre a equidade nas competições e a legitimidade da participação de atletas transgênero e intersexuais nas categorias femininas. Outro tema de discórdia foi a participação do atleta holandês Van de Velde, jogador de vôlei de praia que depois de cumprir pena de prisão por estupro se classificou para os Jogos Olímpicos e foi amplamente vaiado no decorrer da sua participação. A presença dele gerou um debate ético sobre a reinserção social e sobre se certos delitos deveriam impedir permanentemente a participação em eventos dessa magnitude.

A cerimônia de abertura dos jogos também foi motivo de controvérsia por diferentes motivos: a decisão de realizá-la ao longo do Sena enquanto a qualidade da água do rio estava sendo questionada, os espetáculos em alusão direta à decapitação de Maria Antonieta e uma performance criticada pela comunidade católica internacional e pelo Vaticano por considerá-la uma ofensa direta às suas crenças e um insulto à Última Ceia.

Apesar das divisões e controvérsias, os Jogos Olímpicos também se constituíram em um alto-falante do espírito de companheirismo e de solidariedade. O gesto de He Bing Jiao, jogadora chinesa de badminton que ganhou a medalha de prata, em relação à espanhola Carolina Marín foi elogiado internacionalmente. Depois da lesão que impediu Marín de continuar na competição, Bing Jiao usou um pin da Espanha na cerimônia de medalhas e enviou uma mensagem de incentivo nas redes sociais.

 

 

O poder da narrativa e do social listening

Em muitas das “for you page” de contas ao redor do mundo foi possível observar uma tendência global: com uma frase do tipo “sinto comunicar que não fui selecionado para os Jogos Olímpicos”, os usuários mostravam, em tom de humor, as suas quedas ou “fracassos” em qualquer torneio ou competição.

O que não era esperado era ver uma das estrelas da equipe de ginástica dos Estados Unidos, Suni Lee, fazendo o mesmo para mudar a narrativa do que havia acontecido em sua apresentação na barra de equilíbrio. Ela usou o vídeo sobre a sua queda, que estava sendo veiculado por todos os meios de comunicação, e o editou para mudar o trend de “Sorry to announce I didn’t make into the Olympic team” para “unfortunately I was selected for the olympics” [infelizmente eu fui selecionada para os Jogos Olímpicos], um humor que criou maravilhosamente bem uma conexão com o seu público e com os usuários do TikTok de uma maneira geral. Com mais de 4 milhões de reproduções, algo que poderia ter ficado como um simples “fracasso” logo ficou recheado de mensagens de apoio e elogios pelo senso de humor.

 

 

Concluindo, as redes sociais permitiram que os atletas se conectassem diretamente com os seus seguidores, compartilhando as suas experiências e humanizando o aspecto competitivo dos Jogos Olímpicos. Esse acesso sem precedentes à vida dentro da Vila Olímpica encantou o público por oferecer um olhar intimista e autêntico do significado de ser um atleta olímpico.

Os esportistas, por sua vez, demonstraram estar atentos às tendências digitais ao fazer referências a elas em suas comemorações, em suas respostas nas coletivas de imprensa ou nas legendas dos seus conteúdos digitais.

Está na hora de ver os “GRWM para ganhar uma medalha” e dançar ou posar ao ritmo das novas tendências. Os Jogos Olímpicos conquistaram as redes… Ou talvez seja o inverso. De qualquer forma, não resta dúvida de que entramos em uma nova era em que esportistas se transformaram em donos das suas próprias narrativas, cujo potencial vai além dos seus respectivos esportes.

 

 

Patricia Charro
Gerente de Brand & Ad Madri.

Andrea Cortés
Diretora de Marketing Solutions Key Clients México.