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Jorge Lorenzo e Sito Pons têm mais em comum do que a paixão pelas motas: uma vitória contra as autoridades fiscais marcada por danos de reputação inquestionáveis, produto de processos judiciais altamente publicitados que se arrastaram durante anos antes de serem resolvidos com absolvições.
Depois de ter sido declarado inocente de uma alegada fraude fiscal, Jorge Lorenzo chegou mesmo a emitir uma carta pública aos meios de comunicação social onde denunciava a perseguição mediática da Agência Tributária, que, segundo o piloto, procurava “desacreditá-lo na opinião pública”, fazendo-o “aparecer nos meios de comunicação social como um fraudador”.
Da mesma forma, o ex-piloto conta como teve de pagar o dinheiro exigido “para evitar penhoras e situações humilhantes (como aparecer nas listas de devedores)”. Um “verdadeiro escárnio” que, segundo Lorenzo, teve um enorme impacto na sua vida pessoal e no seu desempenho profissional.
Tanto o caso de Lorenzo como o de Pons ilustram os enormes riscos reputacionais envolvidos num processo judicial mediático em pessoas tão notórias, sobretudo se se tratar de matéria fiscal, em que a complexidade técnica e a componente política condicionam a narrativa que se gera em torno da questão.
O risco reputacional é acrescido nestes casos porque o nosso ordenamento jurídico prevê que: “Os actos das Administrações Públicas sujeitas ao Direito Administrativo presumem-se válidos e produzem efeitos a partir da data em que são emitidos” (art. 39.º, n.º 1, da Lei n.º 39/2015 da LPAC). Por outras palavras, presunção de validade é conferida a todos os actos da Agência Tributária, independentemente da forma como o caso seja resolvido.
A presunção de validade não tem apenas uma dimensão jurídica, mas estende-se também, muitas vezes, à opinião pública, cuja primeira reação é a de atribuir maior credibilidade aos argumentos da Administração Fiscal.
Por isso, nestes casos, é particularmente necessário dispor de uma estratégia de comunicação que acompanhe a estratégia jurídica, defendendo a presunção de inocência da parte afetada não só em tribunal, mas também junto da opinião pública.
Neste sentido, casos como o dos ex-pilotos permitem-nos tirar lições valiosas sobre a gestão da reputação em processos judiciais em matéria fiscal:
1. Coordenação com a estratégia jurídica. A Directora de Assuntos Jurídicos da LLYC, Alba García, especialista em comunicação de litígios, explica que “é necessário alinhar a estratégia de comunicação com a estratégia jurídica para apoiar os objectivos da parte afetada, tanto dentro como fora do tribunal. Às vezes, mesmo com uma absolvição no final do processo, prevalece a sombra da dúvida e o rótulo de ‘fraudador’.”.
Ou seja, mesmo uma vitória judicial não é suficiente para salvaguardar a reputação.
“Transmitir a posição da empresa ou indivíduo afetado da maneira certa, nos momentos certos e através dos canais certos, será fundamental para equilibrar a cobertura em torno do caso e proteger a reputação do réu a cada novo marco ao longo do processo legal”, acrescenta Alba Garcia.
Além disso, os pormenores técnicos e a complexidade jurídica das regras neste tipo de processos tornam muitas vezes difícil para o público compreender o que está a ser julgado. De igual modo, o desconhecimento generalizado da atuação das autoridades fiscais faz com que o público tenha a sensação de que uma mera inspeção (como a que iniciou o processo contra Jorge Lorenzo), a abertura de um processo ou a inclusão na lista de inadimplentes fiscais (no caso de Sito Pons) significam automaticamente que há fraude.
Portanto, o trabalho da equipa de comunicação é traduzir estas tecnicalidades sobre os regulamentos legais e o procedimento numa linguagem simples, próxima e acessível ao público.
2. Preparação e reação. Este tipo de processos judiciais por fraude fiscal, e especialmente no caso de pessoas com um elevado perfil de interesse mediático, torna inevitável que os meios de comunicação social façam eco das acusações feitas pela Agência Tributária. De facto, a pressão mediática nestes casos é particularmente forte e, muitas vezes, apenas são relatados os argumentos da acusação. Por esta razão, a estratégia de “não comentar” não é muitas vezes uma boa opção. Caso contrário, a história do “defraudador” prevalecerá sem qualquer resposta.
O caso de Jorge Lorenzo é um bom exemplo. Embora seja verdade que, após a sua absolvição, o antigo piloto deu a sua versão dos factos numa carta aberta aos meios de comunicação social, Lorenzo manteve-se em silêncio durante anos. Esta lacuna significou que durante todo este tempo, informações prejudiciais à sua reputação continuaram a ser publicadas, algumas das quais nem sequer estavam relacionadas com a causa do seu litígio.
Os danos gerados durante vários anos de litígio dificilmente são compensados por algumas notícias que apenas reflectem a posição da parte afetada no final do processo. É importante ter um argumento claro com o qual responder a cada marco relevante desde o início do conflito para não ficar para trás na narrativa.
3. Recuperação. Independentemente do resultado do processo legal, uma vez resolvido o conflito, será essencial trabalhar na recuperação da confiança.
Mesmo na melhor das hipóteses, quando uma absolvição é emitida, a dúvida ou a suspeita podem permanecer no imaginário coletivo. Por outras palavras, ganhar um contencioso fiscal não é suficiente; é importante continuar a trabalhar a comunicação para recuperar dos danos reputacionais gerados.
A carta pública dirigida aos meios de comunicação social por Jorge Lorenzo é um bom exemplo de uma ação de comunicação que visa a recuperação do dano reputacional, cuja eficácia comunicativa é reforçada, neste caso, pela legitimidade proporcionada por uma decisão judicial favorável.
Pelo contrário, Sito Pons limitou-se, como é comum em muitos destes casos, a dar a sua versão apenas aquando do julgamento. No entanto, há outros marcos de importante relevância mediática, antes e depois do julgamento, em que os argumentos da acusação muitas vezes prevalecem e enviesam negativamente a opinião pública.
Portanto, uma vez terminado o processo legal, é essencial ter um plano de comunicação a médio e longo prazo para recuperar a confiança de todos os nossos stakeholders.
Por outro lado, é importante trabalhar a pegada digital. Mesmo depois de o processo estar concluído, os resultados dos motores de busca continuarão a devolver resultados nocivos de notícias sempre que introduzir o seu nome ou o nome da sua empresa. Felizmente, existem várias acções de direito ao esquecimento, em casos que terminam em sentenças favoráveis, que nos permitem remover, desindexar ou modificar este tipo de informação. Mas mesmo nos casos em que estas acções não se aplicam, também é possível deslocar conteúdos negativos com a ajuda de profissionais da área.
(Artigo escrito em colaboração com Ana del Pino, Jovem Talento da área de Assuntos Jurídicos).
Se estiver interessado em conhecer os novos factores de risco que ameaçam a reputação das multinacionais no que diz respeito à sua atividade fiscal, convidamo-lo a descarregar: “Fiscalidade e reputação: as multinacionais em destaque”.
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Autores
Alba García