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14 Nov 2024

Desde que foi lançada nos anos 80 e se tornou num grande êxito comercial, a famosa canção I Want it All dos Queen nunca foi tão relevante como agora. Ouvi-a inúmeras vezes em casa – consequência de ter uma mãe que era grande fã de Freddie Mercury – mas agora vem-me muitas vezes à cabeça porque acho que pode ser o hino do nosso tempo.

O tempo é um bem precioso e escasso, e o sentimento de urgência ecoa mais do que nunca na sociedade atual. O mundo da construção de marcas, como é óbvio, não fica de fora.

Queremos marcas que se comprometam, que tenham valores e que sejam coerentes com os mesmos. Mas a vida é urgente e a nossa impaciência também: têm de ser empenhadas e coerentes de uma forma radical, já, aqui e agora. E colocar a impaciência contemporânea, o propósito e a política na era da polarização no mesmo misturador faz a tempestade perfeita.
 

O TÃO AMADO E ODIADO OBJETIVO

 
Nos últimos tempos, o “objetivo” passou a acompanhar-nos como a palavra-chave do marketing. Os estudos confirmam que os consumidores atuais não só querem produtos e serviços de qualidade, como também exigem que as marcas assumam e demonstrem um compromisso genuíno com os desafios sociais, ambientais e governamentais. As tendências de consumo dizem que compramos às empresas que refletem os nossos valores pessoais, porque isso nos ajuda a sentirmo-nos parte da solução para estes problemas, e boicotamos e não compramos àquelas que não o fazem, porque sentimos, da mesma forma, que assim não perpetuamos os problemas do planeta.

Grandes multinacionais de todo o mundo, em vários setores de consumo, adotaram esta filosofia e desenvolveram planos de sustentabilidade e responsabilidade social que procuram não só reduzir a sua pegada ambiental, mas também promover a igualdade e o bem-estar nas comunidades onde operam. Entretanto, as empresas em fase de arranque já nasceram com estes novos princípios de impacto social positivo e, por conseguinte, construíram os seus modelos de negócio e histórias de marca com base em novos valores e princípios éticos.

No entanto, no meio de ambas as realidades, este conceito de objetivo teve tempo para gerar polarização entre os profissionais de construção das marcas, e é possível encontrar reflexões opostas quanto ao nível de greenwashing ou de maquinização. Foi até capaz de, por vezes, elogiar CEO ativistas e, da mesma forma, expulsar das empresas outros que o defenderam.
 

AS MARCAS NÃO POLARIZAM, A POLÍTICA POLARIZA

 
Quando as marcas se posicionam, estão expostas à polarização, porque esta se encontra na política. As reações dos consumidores oscilam entre o mais alto nível de lealdade, love brand, e o mais alto nível de hostilidade pública, brand rage. Um bom exemplo desta tendência é a já famosa campanha de uma conhecida marca de ténis protagonizada por Colin Kaepernick. Muitos americanos elogiaram a campanha, enquanto outros apelaram a um boicote à marca e queimaram os seus ténis em público.

E o declínio do consenso a nível social é um grande desafio para as marcas, especialmente para as maiores e mais poderosas. O posicionamento desse tipo de marcas está normalmente à mercê de um espectro de valores alargado e inclusivo. E isto choca de frente com uma sociedade que é bipolar na expressão dos valores que a sustentam, como assinalam Miller e Bolte. No nosso tempo, os valores e as causas sociais estão profundamente politizados e é nesta intersecção que as marcas e a polarização se encontram.
 

A IMPORTÂNCIA DE QUEM TRANSMITE A MENSAGEM

 
A Geração Z prefere a autenticidade e a proximidade entre os pares às mensagens tradicionais das empresas. Prefere ouvir os seus pares do que as grandes empresas. Isto coloca um desafio adicional às marcas: já não é apenas uma questão de saber se falo ou não de objetivos, com que causa social me identifico, mas, em última análise, talvez a oportunidade não esteja no quê, mas em quem.

O mensageiro é o maior obstáculo ou o facilitador. As novas gerações procuram a autenticidade e, por isso, as marcas têm o duplo desafio, bem como a oportunidade, de conceber estratégias de influência para desenvolver o seu objetivo, em que os KOL, os colaboradores, os macro, micro e nano influenciadores têm todos um lugar, de modo a que a sua autoridade atue como um melhor mensageiro do que a das empresas.
 

QUALQUER PROCESSO DE TRANSFORMAÇÃO NECESSITA DE TEMPO

 
Estamos a ver que o envolvimento social já não é uma opção, mas sim uma necessidade. Que a chave é levá-lo a cabo de uma forma autêntica e consciente, escolhendo os emissores que trazem consigo a maior autenticidade. E assumir que, quando tomamos uma posição sobre questões e valores sociais, nos aproximamos do político. E nessa altura, portanto, e inevitavelmente, a polarização está garantida.

Mas, o que dizer do fator tempo nesta era de polarização? Tenho a sensação de que a impaciência alimenta essa polarização, sendo o pior terreno fértil. Vejo frequentemente uma procura exagerada das marcas. Pedimos-lhes que sejam extremamente coerentes nas suas ações, decisões e mensagens, mesmo quando elas próprias reconhecem e comunicam que os seus planos de mudança levarão tempo, mesmo décadas. Há algo de tremendamente positivo nestas queixas às marcas, porque reafirmam a importância das marcas como agentes sociais e como referências positivas de mudança. Mas também sinto que muitas vezes perdemos de vista o facto de que qualquer processo de mudança ou evolução leva tempo. Até porque, se não dermos tempo a uma marca para avançar no sentido de um impacto positivo na sociedade, no ambiente e na governação, esta pode achar que não vale a pena tentar, que a polarização é uma moeda que não quer pagar, e concentrar-se no que lhe dá resultados comerciais a curto prazo. Tenho a sensação de que isso seria uma pena, mas é claro que pode sempre haver quem veja as coisas ao contrário.

 

Gemma Gutiérrez
Gemma Gutiérrez
Europe Marketing Solutions General Director da LLYC

Com mais de 16 anos de experiência na Ogilvy, onde chegou a ocupar o cargo de Diretora-Geral, Gemma lidera a estratégia de marketing da LLYC na Europa, desenvolvendo oportunidades de crescimento inorgânico e colaborativo. Licenciada em Publicidade e Relações Públicas pela Universitat Autònoma de Barcelona, e com um Mestrado em Direção de Marketing e Gestão Comercial na ESIC, foi também professora na EAE Business School e na UAB. [Espanha]