Um novo paradigma de liderança: o CEO ativista

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17 Dez 2020

Dominic Barton, antigo CEO da McKinsey, conta a história de um presidente do ramo da engenharia que dedicava 60 % do tempo a debater questões de liderança e a falar com jovens profissionais. Dominic perguntou-lhe: «E durante esse tempo, quem dirige a empresa?», ao que o presidente respondeu: «Idiota, dirigir uma empresa é isto».

Historicamente, os CEO têm sido figuras com pouca exposição pública, que quiseram projetar uma imagem de neutralidade e um perfil de gestor. As necessidades de relacionamento sentidas eram geridas de forma discreta por meio das atividades mais formais de relacionamento institucional. No entanto, nos últimos cinco anos, temos assistido a um protagonismo crescente dos líderes de grandes empresas no que respeita aos assuntos políticos e sociais. Face a este novo papel do CEO, poderíamos perguntar: atualmente, como se dirige uma empresa?

1. O surgimento do CEO ativista

 

Os CEO ativistas são os diretores executivos das grandes empresas que tomam uma posição no que respeita a assuntos políticos, sociais ou culturais que não estejam diretamente relacionados com as empresas que representam. O conceito surgiu em Harvard, num famoso caso de 2017, quando Tim Cook, CEO da Apple, condenou publicamente a aprovação da Lei de Liberdade Religiosa no Indiana (Estados Unidos). A mensagem de Cook, publicada na conta do Twitter do próprio em 2015, serviu de exemplo e deu origem a um apoio significativo de empresários a favor da diversidade, forçando a revisão dos aspetos mais controversos da lei.

Desde então, os casos mais mediáticos de CEO ativistas provêm, na maioria, dos Estados Unidos, e centram-se nas críticas do setor empresarial às políticas promovidas pelo governo de Trump.

No âmbito do meio ambiente, ocorreu em 2017 um caso de destaque, nomeadamente a resposta dos empresários norte-americanos que ficaram «estupefactos» com a decisão do presidente norte-americano de abandonar o Acordo de Paris relativo ao Aquecimento Global, bem como o anúncio de que «assumiriam pessoalmente a luta contra as alterações climáticas e fariam os possíveis para reduzir as emissões». Estas são palavras de Michael Bloomberg, o oitavo homem mais rico do mundo, segundo a revista Forbes, em abril de 2017, que muitos associaram ao início do percurso falhado que havia feito para a Casa Branca. Bloomberg anunciou uma contribuição de 15 milhões de dólares para apoiar os esforços da ONU na luta contra o aquecimento do planeta.

Mais do que as pretensões de chegar à Casa Branca, a atitude ativista de Bloomberg impregnou-se no meio empresarial norte-americano. Em junho de 2017, vários CEO escreveram uma carta aberta ao presidente Trump, alertando-o para a relevância da luta contra as alterações climáticas e para as consequências nefastas da decisão que havia tomado. Recentemente, na última Cimeira do Clima, realizada em Madrid em dezembro de 2019, vários CEO reputados norte-americanos opuseram-se às propostas contra o Acordo de Paris defendidas pelo governo dos Estados Unidos. Esta reação é uma parte importante do movimento We are still in – «continuamos a fazer parte», em inglês – ao qual pertencem 25 estados dos EUA, 534 cidades e mais de 2000 empresas e grupos de investidores, além de outras instituições educativas e culturais. Ao todo, representam 68 % do PIB dos EUA, 65 % da população e 51 % de todas as emissões do país.

No âmbito dos direitos humanos, outro caso de ativismo conhecido foi o da decisão do CEO da Starbucks, Howard Schultz, de contratar 10 000 refugiados de todo o mundo, como reação à política de imigração da administração Trump. A mensagem de Schultz gerou uma forte controvérsia. Por um lado, conseguiu mover outras grandes empresas — a Google anunciou uma contribuição de quatro milhões de dólares para as organizações humanitárias, os CEO da Apple, da Microsoft, da Netflix, da Uber, da Airbnb e do Facebook manifestaram-se contra as medidas migratórias — mas, por outro lado, provocou uma forte rejeição por parte de alguns consumidores, tendo sido promovido o boicote à marca Starbucks, por considerarem que estava a limitar a capacidade de contratação de mão-de-obra local.

Outro território típico do ativismo é o da saúde. Recentemente, deverá destacar-se a reação de alguns líderes empresariais perante a decisão do Presidente Trump de retirar o contributo dos Estados Unidos à Organização Mundial de Saúde, alegando a negligência desta entidade no controlo da pandemia da COVID-19. A mais significativa foi a de Bill Gates, que anunciou no passado mês de abril a contribuição de 250 milhões de dólares para a OMS para a luta contra a COVID-19. A iniciativa de Gates foi o ponto de partida para a recente criação da Fundação independente em favor da OMS para apoiar as necessidades cruciais em matéria de saúde mundial. A Fundação é uma entidade juridicamente independente da OMS, que facilitará as contribuições do público em geral, dos principais doadores individuais e das empresas à OMS e a parceiros de confiança para executar programas de grande impacto.

Com sede em Genebra, a Fundação prestará apoio às necessidades em matéria de saúde pública mundial, fornecendo financiamentos à OMS e a parceiros de confiança com o intuito de atingir o objetivo dos «três mil milhões» da Organização. Com estes objetivos, que constam do plano estratégico a cinco anos da OMS, pretende-se, nomeadamente, proteger mil milhões de pessoas de emergências sanitárias; estender a cobertura sanitária universal a mil milhões de pessoas; e garantir uma vida sã e bem-estar a mil milhões de pessoas até 2023.

“Os CEO ativistas são os diretores executivos das grandes empresas que tomam uma posição no que respeita a assuntos políticos, sociais ou culturais que não estejam diretamente relacionados com as empresas que representam”

2. O auge do ativismo

Iniciativas como as de Larry Fink, CEO da BlackRock, que promovem a necessidade de formalizar um sentido de propósito enquanto um dos pilares da estratégia empresarial, acima dos resultados económicos; o envolvimento dos principais CEO norte-americanos (Business Roundtable), apostando numa visão no longo prazo e numa redistribuição do valor entre todos os grupos de interesse; o envolvimento de mais de 500 CEO europeus na integração dos negócios nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas; ou a proposta do Capitalismo dos stakeholders, promovida pelo Fórum Económico Mundial, são sinais de que o ativismo dos CEO se está a converter num novo paradigma de liderança.

O ativismo atual dos CEO não parte da expressão de convicções individuais no Twitter (casos de Tim Cook ou de Marcos de Quinto, em Espanha), mas antes da pressão exercida pelas expetativas sociais acerca da responsabilidade dos líderes das grandes empresas na resolução dos problemas públicos, conjuntamente com o profundo ceticismo face à atuação dos governos.

De acordo com dados da Pew Research, apenas 19 % dos norte-americanos confiam no Governo (a fraca reputação dos líderes políticos é um fenómeno global, não apenas dos Estados Unidos). Mas 65 % dos norte-americanos também acreditam que «o sistema económico favorece injustamente interesses poderosos». A fraca reputação dos Governos é o fator de oportunidade para o surgimento da liderança ativista empresarial. No entanto, a perceção de um capitalismo injusto é o fator de necessidade que está a levar os executivos a ocuparem este espaço público. O novo ativismo dos CEO é uma combinação entre oportunidade (fraca reputação dos governos) e necessidade (crescente mal-estar face ao capitalismo). Por último, a combinação destes dois fatores está a impulsionar um novo papel de liderança ativista para os CEO das grandes empresas, que vai além das convicções pessoais.

“A fraca reputação dos Governos é o fator de oportunidade para o surgimento da liderança ativista empresarial”

3. Os ativistas não são todos norte-americanos

 

Este novo paradigma de liderança está cada vez mais presente em todo o mundo, e não apenas nos Estados Unidos. Em Espanha, para não ir mais longe, não passou despercebida a liderança de vários CEO durante a última Cimeira do Clima, realizada em Madrid (COP25).  A resposta à emergência climática no âmbito empresarial foi especialmente destacada, com a participação de 1500 empresas nas atividades que se desenvolveram na «zona verde» da COP 25. Na verdade, a iniciativa empresarial antecipou-se aos acordos políticos em vários setores, tais como o financeiro, o energético, o das infraestruturas, da logística e transporte, da indústria agroalimentar, e o da indústria da saúde. Entre os líderes de empresas espanholas do Ibex 35 que especificaram objetivos de descarbonização durante a Cimeira encontravam-se os da Iberdrola, da Endesa, da Telefónica, da Repsol, da Acciona, da ArcelorMittal, do Santander, do BBVA ou do IAG.

Especialmente relevante foi o envolvimento da parte do setor financeiro. Várias entidades comprometeram-se com quantias significativas para financiar a luta contra as alterações climáticas: Barclays (175 000 milhões de euros), Santander (120 000 milhões de euros), BBVA (100 000 milhões de euros), entre outros. Cerca de 20 entidades que operam no setor financeiro espanhol assinaram um acordo («Better Finance, Better World») para alinhar a atividade com os objetivos do Acordo de Paris na luta contra as alterações climáticas. No acordo, apresentado na COP 25, os bancos, encabeçados pelos CEO, comprometeram-se a reduzir a pegada de dióxido de carbono (CO2) das respetivas carteiras de crédito, de acordo com critérios reconhecidos internacionalmente, bem como a canalizar as poupanças e os recursos financeiros para investimentos sustentáveis.

Outro exemplo mais recente foi o da Cimeira de líderes empresariais convocada pela CEOE (Confederação Espanhola de Organizações Empresariais), no passado mês de junho, com o objetivo de promover a recuperação económica, após a superação da primeira vaga da COVID-19. A Cimeira realizou-se por via eletrónica e em canal aberto. O mundo inteiro pôde acompanhar em direto as mensagens de liderança dos CEO espanhóis face à crise da pandemia. A mensagem introdutória do presidente da CEOE não deixou dúvidas: «Hoje, mais do que nunca, vale a pena ser empresário e dar visibilidade às nossas ações enquanto empresários. É um orgulho ser empresário e poder contribuir para o desenvolvimento do nosso país e para o bem-estar dos cidadãos».

4. Consenso sobre os ODS

 

Os principais temas sobre os quais os CEO ativistas se manifestaram nos últimos anos centram-se na igualdade / inclusão, na luta contra as alterações climáticas, nos direitos humanos e, mais recentemente, na saúde e no bem-estar. Estes temas correspondem não só aos principais desafios globais, mas também fazem parte do quadro de referência deste novo paradigma de liderança, que não é mais do que a Agenda 2030 das Nações Unidas, enquanto principal consenso político, social e empresarial sobre os desafios globais no longo prazo.

De facto, se podemos falar de um paradigma de liderança em torno do ativismo do CEO é porque existe uma agenda global com um grande consenso. A agenda 2030 está marcada pelos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, centrados no desenvolvimento dos Acordos de Paris e nos princípios das Nações Unidas sobre as empresas e sobre os direitos humanos. O consenso é tão amplo que os ODS se tornaram não apenas um ponto de referência geralmente aceite, mas também lançaram a corrida pela liderança devido ao impulso que geraram.

Como referimos anteriormente, em menos de um ano, mais de 600 líderes empresariais da Europa se comprometeram publicamente a promover um modelo de negócio sustentável e com uma visão de longo prazo. Este apelo à ação inclui, entre outros, os seguintes compromissos:

  • acelerar a transição ecológica na luta contra as alterações climáticas;
  • compromisso com o diálogo multistakeholder:
  • criar plataformas colaborativas para promover uma economia sustentável;
  • maximizar a criação de valor para a sociedade;
  • promover a formação para a empregabilidade;
  • incrementar a participação da sociedade civil no movimento da sustentabilidade; e
  • adotar padrões de políticas e de transparência para gestão da sustentabilidade.

“Os principais temas sobre os quais os CEO ativistas se manifestaram nos últimos anos centram-se na igualdade / inclusão, na luta contra as alterações climáticas, nos direitos humanos e, mais recentemente, na saúde e no bem-estar”

5. Desafios do CEO ativista

Como vimos, atualmente os líderes empresariais respondem à exigência social de uma maior responsabilidade por parte das empresas em assuntos políticos e sociais que, tradicionalmente, não entravam na esfera dos negócios. Esta liderança, que também responde ao desencanto generalizado com os governos, está a consolidar-se por meio de manifestos e de compromissos com um elevado nível de adesão que, por sua vez, estão a elevar ainda mais as expetativas sociais sobre o papel das grandes empresas. Pensamos, portanto, que, nos próximos meses, o CEO ativista enfrentará desafios relacionados com a capacidade de solidez e coerência do discurso público que têm vindo a assumir. Quanto maior a exposição pública, maior a exigência de coerência. Destacamos cinco desafios fundamentais neste sentido:

  • Implementar um modelo de governação da gestão dos grupos de interesse. O capitalismo dos stakeholders que o Fórum Económico Mundial promove é «um sonho» — nas palavras do FEM — que se poderá tornar num pesadelo, se não for acompanhado por um esquema de governação dos grupos de interesse.
  • Incorporar um sentido de propósito no governo societário. O ativismo exige um estilo de liderança conectado e coerente com as políticas da empresa. Tornou-se imprescindível a necessidade de definir ou redefinir um propósito que incorpore o impacto social da empresa no longo prazo.
  • Promover a agenda da sustentabilidade por meio de iniciativas concretas de impacto social. As empresas estão a assumir a liderança da mudança de modelo, da transformação, mas há muita dispersão de objetivos e é necessário que se concentrem em uma ou duas iniciativas com verdadeiro impacto social e que sejam relevantes para os grupos de interesse. Menos é mais.
  • Avaliar o impacto dos riscos reputacionais nas decisões empresariais. Alguns manifestos ou declarações, se não corresponderem às expetativas dos grupos de interesse, poderão representar mais riscos do que oportunidades para o negócio (como o referido caso da Starbucks).
  • Expandir o enfoque da compliance na reputação. O discurso exigente do CEO ativista pressupõe, sem dúvida, elevar o nível dos comportamentos corporativos, especialmente os referentes à ética e à integridade. As perspetivas da compliance baseadas no cumprimento legal e normativo são insuficientes quando se toma o partido da crítica, como é o caso do CEO ativista.

O crescente ativismo dos CEO em todo o mundo demonstra que estamos perante um novo paradigma de liderança, que vai além das convicções pessoais. A sociedade exige que as grandes empresas se responsabilizem pelos desafios globais. Já passou o tempo dos discursos. Chegou o tempo de atuar.

Autores

Almudena Alonso
Juan Cardona