Uma em cada cinco notícias sobre violência de gênero a justifica

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4 mar 2024

A mídia conscientiza, sensibiliza e previne a violência de gênero duas vezes mais do que as redes sociais, que são mais sensacionalistas. No entanto, 20% das notícias publicadas ainda justificam as agressões e uma em cada seis viola a privacidade das vítimas ao expor dados pessoais que elas prefeririam evitar. Além disso, em geral, sabemos muito sobre elas e pouco sobre o agressor: há 75% mais menções aos atributos das vítimas. O negacionismo se retroalimenta: uma insinuação na mídia é multiplicada por quatro nas conversas sociais. Essas são algumas das conclusões do relatório “Desfocadas: Como opinar e informar melhor sobre a violência de gênero”, realizado pela LLYC no âmbito do 8M, Dia Internacional da Mulher. 

Para a elaboração desse estudo, a equipe de Deep Learning da LLYC analisou 226,2 milhões de artigos de notícias gerais, 5,4 milhões de notícias sobre violência de gênero e 14 milhões de mensagens na rede social X relacionadas à violência de gênero nos 12 países onde a consultoria está presente (Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, Espanha, Estados Unidos, México, Panamá, Peru, Portugal e República Dominicana) ao longo de um ano. A pesquisa utilizou Large Language Models (LLMs- GPT4) para identificar e isolar descritores de vítimas e agressores em notícias públicas obtidas por meio de modelos de scrapers, bem como técnicas de Processamento de Linguagem Natural (PLN) em 4 idiomas para analisar a conformidade com 21 regras de boas práticas derivadas das diretrizes do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e da Rede Mediterrânea de Autoridades Regulatórias (MNRA).

Luisa García, Sócia e COO Global da LLYC: “Aqueles de nós que participam da conversa social sabem que dar visibilidade à violência de gênero é fundamental para progredir em sua erradicação. No entanto, fazê-lo mal pode ser contraproducente, gerando sensacionalismo e causando dupla vitimização. Na LLYC, queremos não apenas destacar esse risco, mas também fornecer ferramentas para evitá-lo”.

Além do relatório, a LLYC faz uma contribuição por meio da inovação. Para ajudar a focar as manchetes de notícias com uma perspectiva de gênero, a empresa criou o The Purple Check. Essa é uma ferramenta de inteligência artificial que nos permite verificar se as palavras que usamos estão corretas ou se incluem um viés. Nesse caso, ela recomendará uma solução alternativa de como dizer a mesma coisa para informar sem promover a desigualdade e, assim, trazer o foco de volta à comunicação. A ferramenta é de livre acesso porque contribuir para a mudança é tarefa de todos. 

Este é um exemplo da alternativa do The Purple Check para uma manchete que apareceu na mídia:

Principais conclusões do relatório:

1. A mídia fala mais sobre violência de gênero do que as redes: eles publicam um artigo sobre violência de gênero para cada 30 notícias. Na conversa social, a frequência é 15 vezes menor. 

2. As notícias aumentam a conscientização mais do que as conversas sociais: a mídia se destaca na conscientização, prevenção e sensibilização duas vezes mais do que as redes sociais.

3. Nas mídias sociais, a conversa é mais sensacionalista. Eles usam o dobro de termos como “brutal”, “terrível”, “chocante” ou “horrível” para atrair a atenção do leitor.

4. O foco está nelas: O foco está nas vítimas e não nos perpetradores. Há 75% a mais de menções a seus atributos (por exemplo, 45% a mais de menções à sua idade).

5. 20% das notícias sobre violência de gênero justificam as agressões. Em alguns casos, argumentos como problemas de dependência ou mesmo provocação da vítima são usados para tentar explicar e justificar os atos violentos do agressor.

6. Uma insinuação negacionista na mídia é multiplicada por 4 nas redes sociais. A mídia sugere negacionismo ao associar incidentes a casos únicos ou isolados.

7. Uma em cada seis notícias expõe detalhes pessoais que as vítimas prefeririam evitar, como profissão, saúde mental, descendência ou parentesco. Nas redes sociais, a privacidade é ainda mais violada. Especificamente, 7% a mais.

8. Espanha, o país onde mais se fala sobre violência de gênero. É o país com a maior proporção de participação sobre violência de gênero nas redes sociais. A proporção de interação entre redes sociais e notícias é 48% maior do que a média. 

9. No caso da LATAM, a violência de gênero se destaca nos noticiários, mas não nas redes. As notícias sobre violência de gênero são 25 vezes mais frequentes do que as notícias relacionadas a bullying ou acidentes de trânsito. Na Argentina e na Colômbia, para cada notícia sobre trânsito, há dez sobre violência de gênero, e no México, a violência de gênero ocupa 50% a mais do que a média entre notícias e redes sociais. O Brasil é o país que projeta mais conscientização e sensibilização nas notícias, mas isso não se traduz em conversas sociais.

10. Nos Estados Unidos, a agressão é justificada duas vezes mais do que na média de todos os outros países, mas, considerando as vítimas infelizes, é aplicada quatro vezes menos do que no restante dos países, uma boa prática jornalística. 

O estudo identifica uma série de recomendações e práticas recomendadas para lidar com a divulgação de casos de violência baseada em gênero.

Na mídia: 

1. Remova a menção aos vícios e à saúde mental do agressor: eles podem ser vistos como justificativas. Concentre-se em fatos concretos que evitem diluir a responsabilidade do agressor. 

2. Reorientar a narrativa: enfatizar que a violência de gênero afeta a todos nós, para destacar a gravidade do problema.

3. Aumentar a conscientização nas mídias sociais em países com baixa mobilização: usar plataformas digitais para disseminar mensagens de conscientização sobre a violência baseada em gênero. 

4. Omitir elementos que desculpem o agressor: remover personagens próximos e histórias que defendam o agressor. Mantenha o foco na gravidade da violência de gênero e seu impacto. 

5. Proteja a privacidade das crianças: a menos que elas tenham sido diretamente afetadas. Não divulgue a mera existência de crianças, pois isso pode comprometer a privacidade delas.

6. Contextualize sem atacar a privacidade: evite nomear sites específicos que atacam a privacidade da vítima e garanta uma abordagem respeitosa e ética. 

7. Evite referências socioeconômicas, raciais e étnicas: omita referências ao status social, à riqueza, à raça ou à etnia tanto do agressor quanto da vítima, especialmente nas redes.

8. Evite descrições do estado mental da vítima: isso pode ser entendido como uma justificativa para a agressão. Concentre-se nos fatos e em suas consequências

9. Incluir uma maior diversidade de vozes nas notícias: aumentar a presença de especialistas, profissionais e defensores de vítimas do sexo masculino. 

10. Reforçar as consequências da agressão: criminal, profissional e social, mesmo quando os envolvidos não são figuras públicas. 

Nas redes sociais: 

Se você compartilhar uma publicação sobre esse tópico, é essencial controlar a terminologia usada e evitar termos sensacionalistas, como “terrível” ou “chocante”, bem como expressões dramáticas, como “triste”, e inapropriadas, como “infeliz”. Além disso, se for homem, é aconselhável expressar sua condenação à violência de gênero; esse é um compromisso que todos nós, independentemente do gênero, devemos assumir. É essencial evitar o negacionismo ao lidar com essa questão e não minimizar ou individualizar a violência. Evite também associá-la a grupos específicos; ela afeta pessoas de todas as origens e contextos sociais.