América Latina ou navegar em um mar com ventos cruzados

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14 nov 2024

Desde as décadas de 70 e 80, escutamos, na América Latina, o termo “economia à prova de balas” para nos referirmos a como a realidade econômica e o mundo empresarial — e o dia a dia das pessoas — se adaptavam, naquela época, aos vaivéns dos debates sociais e políticos na nossa região. Paralelamente, desenhamos, a partir do mundo acadêmico, uma linha que separava “o país real” do “país político” para verificar a existência dessas realidades paralelas e não em poucos casos, distópicas.

No balaio do tempo, da tecnologia e das transformações sociais e políticas, estes conceitos, linhas e divisões se misturaram para construir hoje, uma realidade latino-americana que coexiste —e tenta avançar— mais entre as tensões da polarização e da fragmentação do que no impulso dos consensos baseados nas diferenças. E isto, claro, não é uma exclusividade da América Latina, mas um fenômeno mundial (ou, pelo menos, dos estados democráticos ou daqueles onde se reivindica o estado social de direito).

Os processos eleitorais dos últimos anos na região — pelo menos 12 somente em 2024 — se transformaram no termômetro da manifestação desta polarização. Casos mais visíveis como as eleições presidenciais na Argentina (2023), no México ou as municipais no Brasil mostram, para além dos resultados e como já ocorreu também no Chile, na Colômbia ou Peru, estas dinâmicas de disputa entre visões irreconciliáveis.

E é difícil entender se o que vivemos — e o que as eleições latino-americanas refletem — é uma polarização derivada de uma polarização muitas vezes inconsequente da sociedade ou uma banalização da política construída sobre batalhões de haters, fake news ou o simples vale-tudo para desacreditar o outro.

Na análise feita pela LLYC sobre os debates em redes sociais na América Latina a respeito de questões sociais e políticas (aborto, feminismo, mudança climática, etc.), apenas uma de cada 23 menções na região, em 2023, confessava uma dúvida ou reflexão sobre algum desses temas. Todas as demais eram posicionamentos a favor ou contra, deixando claro como isto se traduz em posturas políticas e, em última análise, em resultados eleitorais. A sociedade se fragmenta em comunidades de pensamento comum e de negação da diferença.

Esta dinâmica se traduz em uma imposição cada vez menor de políticas de Estado e políticas públicas que duram enquanto durar a continuidade ou ruptura de uma “visão” (continuísmo ou “voto de protesto”) nos resultados dos processos eleitorais, com sociedades e economias expostas, sem proteção, aos ventos desta polarização (embora claro, ela não se manifeste com a mesma intensidade em todos os países da região).

É verdade, e é importante não deixar isso de lado, que, salvo em contextos excepcionais, como é o caso da Venezuela, os sistemas e instituições democráticos na América Latina foram resistentes e resilientes para indicar, pelo menos, algumas “regras do jogo” eleitoral que são validadas por todos, em maior ou menor grau. O que está em disputa, pelo menos neste momento, não é a sobrevivência da democracia, mas o uso que fazemos dela como sociedade, não para propor o bem comum, mas para impor os interesses e/ou a visão de uma das partes em detrimento da outra. A polarização na América Latina é, cada vez mais, como aquele torcedor que gosta mais da derrota do time adversário do que da vitória do seu próprio time.

Essa falta de pontos em comum ou “pactos sociais” repercute e repercutirá de maneira muito profunda em questões essenciais para a região e o mundo como a mudança climática e as políticas ambientais. Mas também no avanço das políticas sociais e econômicas que estimulam a inclusão, o respeito pela diversidade e a educação; a cooperação regional e a geração sustentável de emprego, entre muitos outros assuntos comuns a toda a América Latina.

Por outro lado, o reflexo desta polarização na política não deve nem pode ser um obstáculo para estimular os avanços da região em educação, direitos sociais, empreendedorismo, inovação (os chamados unicórnios latino-americanos), ciência, criatividade e cultura.

As empresas, assim como muitos outros stakeholders sociais e econômicos, têm um papel muito relevante na redução desta polarização. A sociedade, as nossas sociedades latino-americanas, precisam de uma comunicação melhor e mais responsável. Não se trata de tomar partido entre o “bem” e o “mal”, mas de assumir um papel ativo como agente de transformação e construção de diálogo. Um diálogo rico, sério e construtivo que transcenda a superficialidade do greenwashing ou da diversão dos memes.

Não se muda a sociedade, mudando a política, mas o contrário. E as empresas não podem se dar ao luxo de se isentar deste processo ou de participar apenas em função de indicadores econômicos. Podemos, e devemos, propor e estimular os espaços de debate, a troca real de visões e, sobretudo, combater as fake news e não compactuar nem promover uma comunicação que alimenta novos haters ou posturas polarizadas. Isto inclui as nossas estratégias de comunicação, mas também de marketing, paid media, patrocínios, etc.
 

As empresas e outros stakeholders sociais e econômicos têm um papel muito relevante na redução da polarização. As sociedades precisam de uma comunicação mais responsável

 
Estamos todos no mesmo barco, navegando por um mar agitado e com ventos cruzados. Sentar para olhar para o céu e esperar que o vento sopre na direção que nos interessa é não se dar conta de que o crucial é que estamos em um barquinho de papel. E precisamos de um navio sólido para cruzar este oceano, de onde quer que o vento venha.

 

Juan Carlos Gozzer
Juan Carlos Gozzer
Sócio e CEO da LLYC para a América Latina

É especialista em gestão de reputação e estratégias de comunicação. Em seus 15 anos na empresa coordenou diferentes projetos de posicionamento estratégico na América Latina e liderou o desenvolvimento das operações da LLYC no Brasil e na Região Sul, que inclui Argentina e Chile. É formado em Ciências Políticas e tem uma especialização em Informação Internacional pela Universidad Complutense de Madrid e um mestrado em Relações Internacionais pela Universidade de Bolonha. [Brasil]