Você consegue imaginar viver em um mundo onde a maioria das pessoas já não mora no campo?
Nas últimas décadas, a mobilidade humana foi conduzida por duas realidades relativamente estáveis.
Durante o último século, a mobilidade humana foi marcada por duas forças que transformaram o mundo: o êxodo rural e os deslocamentos internacionais para economias mais prósperas. Em 2008, pela primeira vez na história, a população urbana mundial superou a rural: 3,45 bilhões de pessoas contra 3,38 bilhões. Hoje, mais de 4,60 bilhões vivem em cidades, contra 3,45 bilhões que ainda continuam no mundo rural (Banco Mundial, 2025).
Desde a Segunda Guerra Mundial, a humanidade está em movimento como nunca antes, com milhões de pessoas cruzando fronteiras em busca de segurança ou um futuro melhor. Esses fluxos tiveram picos devido a outras guerras, fome ou crises econômicas. Mesmo assim, o mundo continua sendo mais sedentário do que parece: aproximadamente 97% da população vive no país onde nasceu e somente 3%, em outro lugar(Hein de Haas, 2024).
Essa realidade gerou tensões, mas também ligou os motores do progresso. As dinâmicas migratórias impulsionaram a inovação, inspiraram empreendedores e permitiram que as empresas conquistassem novos territórios, ao mesmo tempo em que as sociedades se adaptam a um pluralismo mais diverso e cheio de energia transformadora.
Quando alguém se move, não é apenas uma pessoa que está se deslocando. São desencadeadas transformações econômicas, sociais e culturais tanto nos lugares de origem como nos de destino. Cada viagem reescreve mercados, desafia narrativas e altera o equilíbrio do talento global.
Esta edição do relatório The Next Mindset convida a olhar além do óbvio e descobrir o invisível por trás do movimento. Nessa capacidade de antecipar e reinventar as mudanças pode estar a verdadeira vantagem competitiva para empresas, governos e organizações que aspiram liderar em um mundo em constante transformação.
Esta análise funciona como um mapa das oportunidades que os grandes movimentos humanos da atualidade estão abrindo para aqueles que estão dispostos a abraçá-las. Ela também convida a antecipar-se ao inesperado, identificando novos padrões e vantagens onde outros veem apenas incerteza.
O relatório está estruturado em quatro eixos de exploração:
Cada viagem reescreve mercados, desafia narrativas e altera o equilíbrio do talento global.
- O MAPA DO MOVIMENTO Mostra como os grandes centros de poder (Estados Unidos, Europa e América Latina) vivem e gerenciam a mobilidade sob crescentes pressões políticas e sociais.
- OS RESULTADOS DO MOVIMENTO Revelam como essas duas dinâmicas abrem novos espaços de crescimento em setores como bancário, de consumo, talento, turismo, educação e saúde.
- INDÚSTRIAS EM MOVIMENTOMostram como antecipar-se às tendências pode marcar um ponto de inflexão na trajetória de uma empresa.
- O MOVIMENTO DO FUTURO: RADAR IAAnalisa como são construídas e difundidas as narrativas sobre migração. Combina rigor ético e visão estratégica para interpretar como diferentes regiões entendem a mobilidade humana, aproveitando o potencial da inteligência artificial sem perder de vista a sua dimensão humana. O seu desenvolvimento baseou-se em uma seleção diversificada e rigorosa de fontes, idiomas e contextos culturais, com o objetivo de oferecer uma leitura global que reflete as nuances, tensões e oportunidades de um fenômeno que redefine o nosso tempo.
Equilíbrio ou barreira? Que rumo está tomando a mobilidade humana para os EUA?
Os Estados Unidos concentram tanto a atração como a resistência em relação à mobilidade humana, em uma dinâmica de equilíbrio que influencia as decisões políticas, empresariais e sociais...
Os Estados Unidos concentram tanto a atração como a resistência em relação à mobilidade humana, em uma dinâmica de equilíbrio que influencia as decisões políticas, empresariais e sociais. Em abril de 2025, o saldo migratório líquido caiu de 4 milhões de pessoas, em 2023, para cerca de 600 mil (Pew Research, 2025), em grande parte por causa de novas medidas de controle de fronteiras e requisitos adicionais em determinados tipos de visto (USCIS, 2025).
Essas regulamentações também geram efeitos indiretos sobre setores fundamentais. O Conselho Mundial de Viagens e Turismo (WTTC, 2025) calcula que as receitas de turismo poderiam cair em torno de US$ 29 bilhões, enquanto o Instituto Internacional de Educação (IIE, 2025) prevê uma redução de até 150 mil matrículas internacionais, o equivalente a cerca de US$ 7 bilhões. Além do impacto econômico imediato, este cenário abre um debate sobre como sustentar o fluxo de talento global que historicamente foi uma das fontes de inovação e competitividade do país.
Paralelamente, setores como o da agroindústria, da construção e da manufatura enfrentam déficits crescentes de trabalhadores: 73% dos produtores agrícolas relata dificuldades para contratar (USDA, 2025), quase meio milhão de vagas de emprego no setor de manufatura continuam vazias (BLS, 2025) e calcula-se que os cuidados de longa duração exigirão 8,9 milhões de empregos adicionais até 2032 (PHI, 2025). O envelhecimento populacional e a baixa natalidade intensificaram a dependência de talento imigrante, especialmente na área de cuidados e serviços de saúde em zonas rurais. Para as empresas, este cenário pressiona salários, complica a inflação e exige transformar os déficits de mão de obra em oportunidades de inovação e investimento.
Bridget Haeg
A mobilidade humana é também um catalisador do empreendedorismo. Mais de 46% das empresas da Fortune 500 foram fundadas por imigrantes ou por seus filhos e geraram US$ 8,6 trilhões em receitas (AIC Special Report, 2025). O Vale do Silício e outros polos tecnológicos são uma prova de como os migrantes impulsionaram a criação de empresas e o dinamismo do mercado. No entanto, novos requisitos, como o depósito de US$ 100 mil para solicitantes do visto H1B, reconfiguram o acesso de profissionais estrangeiros altamente qualificados ao mercado dos EUA.
Mike y Don
As empresas também enfrentam críticas de atores que veem a mobilidade como uma ameaça a empregos ou identidades culturais.
Ao mesmo tempo, a migração transformou-se em um ponto crítico em termos de reputação. As empresas que empregam imigrantes podem fortalecer a diversidade e resiliência, mas também enfrentam críticas de atores que veem a mobilidade como uma ameaça a empregos ou identidades culturais. Por outro lado, aquelas que se distanciam da força de trabalho migrante podem obter proteção política de curto prazo, mas se expõem a acusações de discriminação ou desconexão com realidades econômicas e demográficas. Nesse ambiente polarizado, adaptar narrativas, gerenciar tensões e proteger a licença social para operar se transforma em imperativo estratégico.
Estamos diante de uma Europa que se protege ou se isola?
Na Europa, a mobilidade enfrenta um dilema estrutural: a segurança das fronteiras versus a necessidade de atrair mão de obra e talento em um contexto de envelhecimento demográfico e escassez de trabalhadores...
Na Europa, a mobilidade enfrenta um dilema estrutural: a segurança das fronteiras versus a necessidade de atrair mão de obra e talento em um contexto de envelhecimento demográfico e escassez de trabalhadores. O Pacto de Migração e Asilo da UE (que entrará em vigor em 2026) reforça controles biométricos e acelera repatriações, aumentando em 30% as deportações em 2024 na comparação com o ano anterior (Eurostat, 2025). No entanto, o pacto foi criticado por consolidar um modelo de “solidariedade à la carte”, que concentra a responsabilidade nos Estados de primeira chegada (Espanha, Itália e Grécia), enquanto outros países do bloco assumem compromissos mais limitados, aumentando a vulnerabilidade dos migrantes e reforçando tensões internas.
Manuela Sánchez
Ao mesmo tempo, surgem políticas de abertura seletiva. O CEDEFOP Labour Shortages Index identifica carências críticas em saúde, cuidados, tecnologia da informação e construção, com risco de perda de competitividade se não forem abordadas (CEDEFOP, 2024). A Espanha é um caso paradigmático: a imigração contribuiu com 80% do crescimento econômico dos últimos 15 anos (El País, Maqueda, 2025). Dos 515 mil novos empregos criados em 2025, 211 mil (41%) corresponderam a trabalhadores estrangeiros, que representam apenas 13,6% dos empregos totais, mas sustentam setores estratégicos como hotelaria, cuidados e construção (BBVA Research, 2024). O Banco da Espanha e o FMI destacam que essa dinâmica explica em boa parte o crescimento de 3,2% do PIB do país em 2024, acima da média europeia (IMF, 2025). Até a Itália, que está adotando políticas duras em relação a imigrantes em situação irregular e aos solicitantes de asilo, deu início a planos para receber 500 mil imigrantes temporários legais.
Além disso, a Comissão Europeia promoveu programas de “asilo acadêmico” para pesquisadores e estudantes (CE, 2025). A Espanha, em particular, se consolidou como polo de atração para talentos latino-americanos, que já representam 28% da população universitária estrangeira (Ministerio de Universidades, 2024). “Diante do envelhecimento demográfico, a imigração qualificada é um fator de competitividade. A população ativa poderia diminuir menos ou até se estabilizar se a empregabilidade de grupos sub-representados — mulheres, pessoas com mais de 55 anos ou jovens com baixa qualificação — aumentasse. Mas sem migração a equação é insustentável” (Biagi et al., 2025; Ueffing et al., 2025).
A Espanha é um caso paradigmático: a imigração contribuiu com 80% do crescimento econômico dos últimos quinze anos
Assim, quando alguém chega à Europa, não é apenas uma pessoa que se desloca. Os ecossistemas de inovação se transformam, a base de consumidores se diversifica e as políticas sociais ficam mais tensas. Para as empresas, o desafio é gerenciar narrativas em sociedades polarizadas, mas também a oportunidade de se posicionarem como aliadas na integração cultural e na construção de um modelo competitivo mais diversificado e sustentável.
Juan Pablo Santangelo
Como a América Latina pode ser ao mesmo tempo origem, movimento e destino?
Na América Latina, a mobilidade humana é multidirecional: origem, passagem, destino e retorno convivem em um mesmo território. Em 2023, a região registrou 47...
Na América Latina, a mobilidade humana é multidirecional: origem, passagem, destino e retorno convivem em um mesmo território. Em 2023, a região registou 47 milhões de novos deslocamentos, alcançando um total de 75,9 milhões de pessoas em situação de deslocamento interno (IDMC, 2024).
COLÔMBIA
A Colômbia está passando por um dos capítulos mais intensos de mobilidade humana na região. De acordo com a ONU, cerca de 6% da população é formada por migrantes de diferentes origens (OIM, 2024). Em apenas cinco anos, mais de 2,8 milhões de venezuelanos chegaram ao país, configurando a maior onda migratória da história recente (Cortés, OIM, 2024). Esse fluxo sobrecarregou a capacidade institucional das áreas de saúde, educação e moradia, mas também gerou um impacto econômico tangível. O grande desafio agora é como integrar, gerar oportunidades e transformar esse movimento humano em uma força que impulsione o futuro do país.
A mobilidade também está reconfigurando o mapa social e urbano. Cidades fronteiriças de médio porte se transformaram em espaços de integração e resiliência, onde a pressão do emprego informal convive com o surgimento de novos empreendimentos e comércios que trazem diversidade e revitalizam comunidades.
Embora boa parte da população de migrantes continue na informalidade, o mercado de trabalho reflete uma transição com cada vez mais acesso a setores como o da agroindústria, da logística, da construção e de serviços. Por isso, o desafio na Colômbia é reconhecê-la como uma oportunidade histórica para redesenhar o tecido social, de trabalho e de reputação, transformando-a em um motor de inovação e legitimidade.
María C. Gnecco
MÉXICO
As remessas para o México registraram uma queda de 4,6% em maio de 2025 na comparação com o mesmo mês do ano anterior (Banco do México, 2025) e, a partir de 2026, estarão sujeitas a um imposto de 1%. Essa medida vai impactar diretamente as regiões onde esses fluxos representam mais de 10% do PIB. Paralelamente, o país se consolida como território de passagem para os Estados Unidos, o que dinamizou indústrias como a de transporte, de segurança privada e de serviços humanitários.
O governo de mexicano de Claudia Sheinbaum adotou uma abordagem humanista como a estratégia “O México te abraça”
A mobilidade humana no México atravessa uma fase de redefinição que afeta tanto a política pública como os marcos regulatórios. Enquanto o governo americano de Donald Trump reativou medidas restritivas como o programa “Fique no México”, o governo de mexicano de Claudia Sheinbaum adotou uma abordagem humanista como a estratégia “O México te abraça”, voltada para o atendimento a repatriados e para o fortalecimento da rede consular. Entre os resultados alcançados, destaca-se a redução de 91% nos registros migratórios na fronteira norte entre outubro de 2024 e agosto de 2025, uma mudança estrutural na gestão de fluxos.
Paralelamente, o país discute reformas legais para responder a novas tensões. Entre elas, a possível modificação da Lei de Migração e da Lei Geral da População, que incluiria disposições para cancelar residências a estrangeiros que cometam atos de discriminação ou abuso. Da mesma forma, planeja-se modernizar as diretrizes de vistos (a primeira em mais de uma década) com o objetivo de agilizar trâmites e articular melhor a política migratória com a atividade turística, tendo em vista a Copa do Mundo de 2026.
No entanto, ainda persistem desafios que afetam a competitividade. Em 2024, foram registradas mais de 100 mil recusas a visitantes estrangeiros em aeroportos mexicanos, principalmente da Colômbia e do Brasil, o que gerou tensões diplomáticas e afetou a reputação do país como destino turístico e de negócios. Esses episódios estimularam a instalação de mesas bilaterais e levaram à necessidade de adotar processos migratórios mais transparentes, confiáveis e respeitosos.
A mobilidade também abre espaços estratégicos para o setor privado. A plataforma “Conexión Empresarial Paisano”, que concentra cerca de 64 mil ofertas de emprego de 220 empresas mexicanas, mostra como a reinserção de migrantes retornados pode cobrir déficits de talento e reforçar a legitimidade corporativa. Integrar políticas inclusivas e narrativas responsáveis permitirá que as empresas se adaptem a um marco regulatório em transformação e se consolidem como atores estratégicos na construção de soluções sustentáveis em um país definido pelo movimento constante de pessoas.
Fernando García
PERU
O Peru se consolidou como o segundo país receptor de população venezuelana na região, com mais de 1,5 milhão de pessoas, o que equivale a 3% da população total (OIM, 2024). Esse fluxo gerou impactos multidimensionais. Na política, gerou sobrecarrega normativa e nas capacidades institucionais de gestão. Na economia, produziu um efeito misto de dinamização e precariedade de trabalho. E no âmbito social, colocou à prova a coesão comunitária.
Para cada sol investido para atender a população migrante e refugiada, o Peru recebeu 2,6 soles de retorno fiscal entre 2018 e 2022 (Banco Mundial & ACNUR, 2023), confirmando que a mobilidade é um investimento produtivo. Essa abordagem está alinhada com The Next Mindset : a reputação institucional e empresarial dependerá da capacidade de antecipar e gerenciar narrativas em um contexto onde a opinião pública oscila entre a percepção de ameaça e a visão de oportunidade.
Para cada sol investido para atender a população migrante e refugiada, o Peru recebeu 2,6 soles de retorno fiscal entre 2018 e 2022.
O impacto setorial é evidente no varejo e na gastronomia: Lima, Arequipa e Trujillo viram surgir clusters como “La Pequeña Caracas”, que diversificam a oferta e dinamizam a economia local. Segundo o Banco Mundial e a ACNUR, 70% da população venezuelana no Peru está em idade ativa e seus níveis de educação superam os da população local, o que constitui um capital humano estratégico ainda subutilizado. A mobilidade, portanto, aumenta a demanda, amplia o ecossistema de negócios e abre espaços de inovação e expansão.
Martín Díaz
Além disso, a mudança climática redefine a mobilidade na região. Entre 44 e 216 milhões de pessoas poderão deslocar-se dentro dos seus países por motivos ambientais nas próximas décadas (Banco Mundial, 2025). Isso moverá também os mapas urbanos, os preços de terrenos e as prioridades de investimento em infraestruturas resilientes.
Quando alguém se move, os mercados se movem.
Cada deslocamento humano gera novas demandas de bens e serviços. As comunidades migrantes trazem consigo hábitos de consumo próprios, expandem nichos de mercado e impulsionam a diversificação da oferta. A mobilidade impacta diretamente a forma como as empresas desenvolvem produtos e serviços. Mas também reconfigura o próprio ecossistema empresarial graças a uma característica primordial: os humanos que se movem tendem a ser mais empreendedores. Assim como aqueles que retornam depois de emigrar.
De acordo com um estudo que analisou 69 países, os imigrantes tendem a ser empreendedores em maior medida do que os locais. Nos Estados Unidos, onde 13,7% da população nasceu no exterior, os imigrantes representam 20,2% dos autônomos e 25% dos criadores de startups (Harvard Business Review, 2021).
No entanto, os imigrantes não reconfiguram apenas os mercados dos seus países de destino, mas também os de origem.
Um estudo recente do Center for Economic Policy Research mostrou como trabalhadores pouco qualificados de países pobres do sudeste asiático como Bangladesh, que têm dificuldades de acesso ao crédito, assumem grandes custos para viajar para países mais ricos. No caso de Bangladesh, frequentemente, os da Península Arábica. Trata-se de uma decisão de alto risco. Mas uma vez lá, para as pessoas em movimento, trabalhar em setores como o da construção ou de serviços pode oferecer grandes rendimentos aos migrantes. Muitos deles voltam para zonas rurais ou semiurbanas de Bangladesh. E um número significativo deles vira trabalhador por conta própria ou empreendedor. Se 30% deles o eram antes de partir, 60% o são quando retornam, graças à possibilidade de investir as economias feitas no exterior na abertura de um negócio ou na aquisição de uma licença de táxi.
Depois disso, eles obtêm, em média, rendimentos mais elevados do que trabalhadores assalariados com uma qualificação similar e constituem uma parte notável do empreendedorismo de um país que precisa disso (CEPR, 2024).
Enquanto a mídia europeia enfatiza a palavra “crise” em 42% das menções sobre migração, o Radar IA identificou um crescimento de 33% nas referências a “inovação” e “diversidade” como oportunidades econômicas.
Quando alguém se move, as cidades se movem.
As urbes receptoras se transformam de maneira acelerada: aumenta a pressão sobre moradia, transporte e serviços públicos, mas também surgem oportunidades de inovação urbana. Em alguns casos, os trabalhadores migrantes estão mais dispostos do que os locais a assumir os sacrifícios que implicam viver em cidades com alto nível de vida.
Edward Glaeser, um dos maiores especialistas em economia urbana e autor do “El triunfo de las ciudades”, afirmou que: “os imigrantes são bons para as cidades e as cidades são boas para os imigrantes”. Em um dos seus estudos clássicos, “Cities and Skills”, ele pesquisou as razões objetivas pelas quais os salários são mais altos em ambientes urbanos — no momento em que escreveu seu artigo, 32% mais altos nos Estados Unidos. Sua conclusão foi de que, embora as cidades aumentem a produtividade das pessoas pela proximidade geográfica e pelo efeito de coordenação, a razão que explica em maior medida o “bônus salarial” das cidades é a acumulação de habilidades que nelas se produz, uma vez que as pessoas que vivem em ambientes urbanos aprendem muito mais rapidamente do que as que vivem em ambientes rurais. Isso leva a um aumento da produtividade e, por conseguinte, dos salários. Os que se incorporam às cidades têm um papel preponderante nisso, sejam procedentes de área rural ou de outros países (Econpapers, 2001).
Em um trabalho mais recente, “ Why Immigration is an Urban Phenomenon ”, Joan Monràs, professor titular de economia da Universitat Pompeu Fabra, afirma que os imigrantes, ao contrário da lógica aparente, tendem a se estabelecer em cidades com elevado custo de vida. A razão principal, diz Monràs, é que os imigrantes frequentemente mandam uma parte significativa dos seus rendimentos ao país de origem. “Consequentemente, eles valorizam os salários altos da cidade e se sentem menos desincentivados pelos altos custos de vida do que os trabalhadores locais”, (Federal Reserve Bank of San Francisco, 2023).
O Radar IA detectou um deslocamento do eixo “crise humanitária” para “mobilidade produtiva”, com um aumento de 45% em menções que vinculam migração a “empreendedorismo” e “contribuição econômica”.
Quando alguém se move, o talento se move.
Os fluxos migratórios modificam a disponibilidade de mão de obra em setores-chave, criando desequilíbrios que, por sua vez, impulsionam a transferência de conhecimentos e obrigam a repensar a gestão do capital humano.
Prithwiraj Choudhury, professor de organização do comportamento da London School of Economics, considerado pela Forbes como um dos 50 maiores especialistas no futuro do trabalho, publicou recentemente um estudo sobre as interações entre os migrantes e os residentes locais dos seus locais de destino. O estudo, intitulado “ Bounded Solidarity : The Role of Migrants in Shaping Entrepreneurial Ventures ”, analisa principalmente se os imigrantes competem pelas mesmas oportunidades que os locais ou, pelo contrário, contribuem com diferenças que geram valor compartilhado.
O experimento consistiu em comparar os projetos de empreendedorismo que surgiam entre grupos formados apenas por originários da cidade e outros que mesclavam locais com imigrantes procedentes de outras partes do país e de regiões mais longínquas como Japão, Oriente Médio e África. O resultado foi claro: quando um imigrante e um local colaboram, surgem ideias mais sociais do que entre dois locais. Isso poderia incluir a criação de empresas de tecnologia, como por exemplo o projeto de utilizar drones para fortalecer a segurança de escolas locais, fruto da interação entre um imigrante com background no mundo tecnológico e um professor preocupado com a violência escolar. Ou a abertura de um bar especializado em bebidas não alcoólicas, fruto da interação entre um imigrante com experiência no mundo da hotelaria e um ativista local preocupado com os níveis de alcoolismo na cidade. (Scheller College of Business, 2024). O talento novo atua como catalisador para o desenvolvimento do talento local.
Na Austrália, por exemplo, o setor de Energia, Mineração e Imóveis depende em grande medida de talento imigrante de alta qualificação, que em alguns casos pode chegar a significar dois terços da mão de obra. Essa dependência fez com que em momentos de baixa imigração (como os anos da pandemia) o setor enfrentasse o desafio de atrair todo o talento de que precisava. De acordo com um estudo da KPMG, fechar esse tipo de lacuna passa por reformas de caráter legal, mas também por reforçar políticas de diversidade e inclusão nas próprias empresas, uma vez que muitas delas continuam adotando medidas discriminatórias inclusive quando existe escassez de talento. Os solicitantes de trabalho com um nome não inglês, por exemplo, tinham 60% menos probabilidades de receber uma resposta positiva. E quase 25% dos migrantes com altas habilidades desempenhavam trabalhos abaixo da sua qualificação (KPMG, 2023).
As associações mais frequentes entre “talento migrante” e “inovação” na conversa digital sugerem uma mudança de paradigma: a mobilidade é percebida menos como fuga e mais como transferência de conhecimento.
Quando alguém se move, a estrutura da economia se move.
A mobilidade humana se transformou em um determinante macroeconômico. Além do consumo e da estrutura empresarial, ela afeta o quadro macroeconômico dos países (dívida, sustentabilidade fiscal, pensões, serviços públicos). Em alguns países, além disso, as remessas internacionais são maiores do que o investimento internacional.
Na Europa, por exemplo, apesar do crescimento econômico escasso, foram criados 7,2 milhões de empregos de 2019 a 2024, segundo a pesquisa “ A changing European labour market: the role of immigration and new jobs ”, do CaixaBank Research. Isso resultou em índices historicamente baixos de desemprego.
De acordo com a pesquisa, quase metade desses empregos, 3,2 milhões, foram ocupados por trabalhadores procedentes de fora da União Europeia, apesar de eles representarem apenas 6,6% da força de trabalho do bloco. Segundo estudo do Banco Central Europeu, esse aumento da população estrangeira em idade ativa, e a sua maior taxa de emprego, foram um dos principais fatores de crescimento da atividade econômica na zona do euro em 2023 e 2025.
Paralelamente, ocorreu outro fenômeno com impacto nos mercados de trabalho europeus: apesar de os trabalhadores estrangeiros continuarem superqualificados para os trabalhos que acabam desenvolvendo, essa diferença diminuiu nos últimos anos, o que permitiu um aumento da atividade em setores de maior valor agregado (CaixaBank, 2025).
Nos Estados Unidos, a mudança nas políticas migratórias permitiu que o Federal Reserve Bank of Dallas fizesse um estudo comparativo. “A imigração ilegal aumentou drasticamente nos anos 2021-2024, mas desde então caiu abruptamente, o que impactou negativamente o crescimento econômico. Estimativas baseadas em dados históricos e em um modelo autorregressivo vetorial sugerem que o crescimento do produto interno bruto de 2025 é entre 0,75% e 1% inferior ao de uma simulação de referência”. O estudo também estabelecia que o aumento da imigração ilegal não apenas aumentava o PIB, como não tinha impacto relevante na inflação (Federal Reserve Bank of Dallas, 2025).
As conversas digitais associam a palavra “migrante” a termos como “trabalho digno” e “oportunidade” em 68% dos casos, mas também a “informalidade” e “exclusão” em 21%.
Serviços financeiros e bancos
As remessas já superam o investimento estrangeiro em países como México e Colômbia. Isso abre espaço para produtos financeiros inovadores: contas multimoeda, créditos para migrantes, seguros de viagem internacional e fintechs desenhadas para diásporas. Oportunidade para alianças entre bancos tradicionais e plataformas digitais que reduzam custos de envio e ganhem a confiança de comunidades migrantes.
Oportunidades diretas : fintech , banco de varejo, seguros, investimento social ligado a diásporas.
Detectou-se um aumento de 48% nas menções positivas sobre “remessas digitais” e “banco para migrantes” em conversas on-line entre 2023 e 2025. A narrativa dominante associa as fintechs a “autonomia” e “acesso”, enquanto os bancos tradicionais continuam vinculados a “burocracia” e “custos altos”.
Agroindústria, exportação e importação
Migrantes reproduzem e expandem os seus padrões de consumo alimentício, criando novos nichos para importação/exportação (exemplo: crescimento de restaurantes venezuelanos na Colômbia ou de produtos mexicanos nos EUA). A escassez de mão de obra na agricultura nos EUA e na Europa também acelera a automatização agrícola, mas deixa espaço para programas de migração laboral regulamentada.
Oportunidades diretas : varejo alimentar, agritech , logística, comércio internacional de alimentos.
As conversas sobre produtos vinculados a comunidades de migrantes cresceram 35% nas redes regionais desde 2024, com picos em torno de palavras como “sabor”, “raízes” e “autenticidade”. Identifica-se, adicionalmente, que mais de 60% das mensagens sobre produtos alimentícios de origem migrante estão relacionadas com identidade cultural.
Turismo e viagens de negócios
Restrições migratórias nos EUA implicam perdas para o turismo tradicional, mas abrem oportunidades para destinos alternativos na América Latina e Europa, que se posicionam como hubs inclusivos. Aumento do turismo de diáspora: pessoas que viajam para visitar famílias ou comunidades, gerando demanda em companhias aéreas, hotéis e plataformas digitais. Aumento do turismo acadêmico e médico: mobilidade por educação e saúde.
Oportunidades diretas: companhias aéreas, hotéis, seguros de viagem, turismo médico e acadêmico.
Entre 2023 e 2025, as menções sobre “viajar para se reencontrar” ou “turismo de raízes” cresceram 41%. As conversas com tom positivo sobre turismo médico e educativo superam em 28% as relacionadas a turismo de lazer.
Educação global
A redução de vistos para os EUA abre espaço para universidades da Europa e da América Latina atraírem estudantes internacionais, especialmente na Espanha e no México. Expansão do aprendizado online transnacional: universidades oferecendo programas híbridos para estudantes que não podem migrar fisicamente.
Oportunidades diretas : educação superior, edtech , ensino de idiomas, seguros estudantis.
Espanha e México concentram o maior volume de conversas em espanhol sobre mobilidade acadêmica. Das mensagens com sentimento positivo, 67% referem-se a “acesso” e “transformação pessoal”, enquanto 23% mencionam “trâmites” ou “barreiras migratórias” como obstáculos.
Saúde e cuidados
A migração de massa pressiona os sistemas de saúde, mas abre oportunidades para clínicas privadas, seguros internacionais e telemedicina voltada para comunidades de migrantes. Nos Estados Unidos, a agricultura e a construção dependem, em grande medida, de trabalhadores migrantes, enquanto no setor de saúde, os migrantes representam uma proporção significativa e crescente da força de trabalho, especialmente nos cuidados de longa duração e em zonas rurais ou desatendidas. Na Espanha, a mão de obra de migrantes sustenta boa parte do sistema de cuidados e de saúde.
Bridget Haeg
Oportunidades diretas : saúde privada, telemedicina, seguros de saúde, plataformas de emprego para cuidadores.
Na Europa e América Latina, as menções sobre “telemedicina” relacionadas com migração aumentaram 62%, sugerindo que a saúde se transformou em um vetor de integração e confiança.
Talento humano e trabalho
Migração como fonte de diversidade e complementaridade de talento: perfis altamente qualificados que fomentam a inovação e startups. Déficit em setores como agricultura, construção e cuidados. Oportunidade para modelos de contratação circular (programas temporários) e soluções digitais de matching de trabalho.
Hoje as carreiras profissionais já não são lineares, mas migratórias: as pessoas se movem entre países, setores e culturas, trazendo diversidade e também a incerteza do transitório. Mais de 45 milhões de latino-americanos vivem fora dos seus países de origem e cerca de 5 milhões se deslocam anualmente dentro da região (ONU). Em mercados como Colômbia, Chile ou México, essas comunidades estão transformando os mercados de trabalho e a vida interna das empresas. As evidências mostram que equipes diversas superam em até 36% os resultados das menos diversas (McKinsey, 2020). A chave está em deixar de entender a retenção como permanência e vê-la como o máximo aproveitamento do talento enquanto ele permanece
María C. Géneco
Oportunidades diretas : consultoria de RH, recrutamento digital, educação técnica, inovação empresarial.
As palavras mais relacionadas a “equipes diversas” são “criatividade”, “rendimento” e “aprendizado”. As menções negativas concentram-se em temas de “instabilidade” e “precariedade”. As mensagens empresariais que destacam “aprendizado intercultural” obtêm 3,5 vezes mais interações positivas.
Cidades, urbanismo e construção
A chegada de migrantes pressiona serviços básicos, mas também dinamiza mercados imobiliários (aluguel, moradia social, construção modular). A migração climática obriga a desenvolver infraestruturas resilientes e novas formas de urbanismo sustentável.
Em países como Espanha existe uma necessidade muito urgente de mão de obra no setor da construção. De acordo com a Pesquisa EBAE, 56% das empresas do setor da construção declaram ter dificuldades para encontrar trabalhadores adequados. Esse percentual é um dos mais altos entre todos os setores, superado apenas pela hotelaria (60%) e agricultura (57%). Em termos gerais, a migração atua como fator compensatório uma vez que a carência de profissionais poderia ser parcialmente suprida com a chegada de migrantes.
Oportunidades diretas : construção, real estate , transporte público, smart cities .
Os discursos sobre migração urbana deixaram de se concentrar em “pressão de serviços” (tendência 2023) e passaram para “revitalização local” (tendência 2025). As menções a “bairros multiculturais” com tom positivo cresceram 49%, enquanto as que associam “migração” a “crise habitacional” caíram 15%.
Mudança climática e resiliência
O deslocamento climático (44-216 milhões de pessoas em duas décadas) será o motor da demanda em seguros, energias renováveis, urbanismo e gestão de água. As empresas que anteciparem esses deslocamentos poderão se posicionar como aliadas da resiliência climática.
Oportunidades diretas : seguradoras, energias renováveis, consultoria de sustentabilidade, desenvolvimento urbano.
As menções sobre “refugiados climáticos” aumentaram 56% desde 2023, com maior concentração na América do Sul e África. A associação entre “mobilidade humana” e “resiliência” cresceu 27%, evidenciando uma narrativa que começa a conectar deslocamento e sustentabilidade.
Cultura, entretenimento e mídia
A diversidade cultural cria indústrias criativas (gastronomia, música, moda) e abre mercados de consumo cultural. O entretenimento global se expande graças a narrativas de diáspora e diversidade, oportunidade de conteúdos transnacionais para cinema, streaming , publicidade. A isso se soma um desafio latente de alcance global: a integração. Mais do que um desafio setorial, trata-se de um eixo transversal que impacta todas as indústrias. Algumas empresas de tecnologia e redes sociais começaram a explorar modelos de negócio mais inclusivos e diversos, mostrando que a integração não apenas é uma exigência ética, mas também um campo de inovação.
Manuela Sanchez
Oportunidades diretas : indústrias culturais, meios de comunicação, marketing inclusivo, plataformas digitais.
No ecossistema midiático, o termo “narrativas de diáspora” cresceu 47%, especialmente em conteúdos audiovisuais e de moda. As produções que integram personagens migrantes ou temas interculturais obtêm 1,8 vez mais engagement em redes sociais.
Comércio e cadeias globais de valor
A migração conecta territórios e abre rotas de importação e exportação impulsionadas por comunidades transnacionais. Diásporas atuam como pontes comerciais e culturais, gerando oportunidades para marcas que querem se expandir.
Oportunidades diretas : comércio exterior, logística, e-commerce transnacional.
No México, predomina a narrativa de “retornar e criar raízes”. No Peru, a de “integração econômica”. E na Colômbia, a de “resiliência social”. Essas diferenças refletem os contextos políticos e midiáticos que amplificam as conversas.
Inovação e dados
Cada fluxo migratório gera enormes volumes de dados sobre mobilidade, consumo, integração e riscos. As empresas que souberem analisar, cruzar e antecipar tendências migratórias com big data e IA poderão desenvolver produtos preditivos para governos, bancos, universidades e seguradoras.
Oportunidades diretas : data analytics , inteligência artificial, consultoria estratégica, marketing preditivo.
As organizações com estratégias narrativas inclusivas reduzem em 32% as menções negativas relacionadas à marca. Esse dado sugere que antecipar e gerenciar discursos pode ser tão relevante quanto desenvolver políticas.
Varejo e gastronomia no Peru devido à migração venezuelana. Um fenômeno estrutural transformado em oportunidade
Desde 2016, o Peru se consolidou como o segundo país receptor de população venezuelana na região, com mais de 1,5 milhão de pessoas, o que equivale a 3% da população total (OIM, 2024). O que inicialmente foi percebido como uma pressão sobre os serviços públicos acabou gerando um fenômeno econômico e cultural de transformação. Em cidades como Lima, Arequipa e Trujillo, a chegada massiva de migrantes impulsionou uma onda de empreendimentos gastronômicos, tabernas e serviços urbanos que reconfiguraram o tecido comercial. A gastronomia (símbolo da identidade peruana) se transformou em um terreno viável para a integração econômica e social.
O problema: tensões entre dinamismo e informalidade
A primeira etapa do fenômeno migratório gerou tensões visíveis. Os fluxos de pessoas pressionaram o mercado de trabalho informal, e muitos migrantes encontraram no trabalho autônomo na área de gastronomia e varejo uma forma de subsistência.
O Estado e o setor privado precisavam de estratégias integradas para canalizar esse potencial econômico. Entre os principais desafios estava a: Percepção de concorrência por empresas locais, sem acompanhamento institucional; Desigualdade na regulamentação sanitária e tributária para novos empreendimentos; Falta de acesso a financiamento por ausência de histórico de crédito. Apesar disso, começaram a surgir polos de inovação urbana com uma lógica de mercado, já que havia demanda, qualidade e uma clientela crescente.
A estratégia: adaptação, diversidade e sinergias
Adaptação comercial
Redes de supermercados e lojas de conveniência começaram a ajustar os produtos que colocavam à venda, incorporando produtos venezuelanos (farinha PAN, temperos, bebidas e snacks tradicionais). Isso respondeu tanto à demanda dos migrantes como à curiosidade do consumidor peruano (OIM Peru, 2023. Relatório sobre integração socioeconômica da população venezuelana no Peru).
Diversificação gastronômica
Surgiram clusters culinários como “La Pequeña Caracas”, em Lima, onde empreendedores venezuelanos e peruanos misturaram saberes culinários, formatos e experiências. A culinária migrante se transformou em uma marca cultural com alto valor simbólico e econômico.
Parcerias institucionais
Programas apoiados pela ACNUR, pelo Banco Mundial e municípios impulsionaram a formalização de pequenos negócios, o acesso a microcréditos e a formação técnica, integrando a mobilidade à economia formal como, por exemplo, o PEIREM (Programa de Empreendimento Inovador para Refugiados e Migrantes) e o programa Vives Emprendes.
Resultados: a mobilidade como força produtiva
Os resultados mais evidentes foram:
- Retorno fiscal de 2,6 soles para cada sol investido em atenção à população migrante (Banco Mundial e ACNUR, 2024).
- Crescimento do emprego urbano informal em 14% relacionado a negócios de origem migrante, com uma tendência posterior para a formalização
- Expansão do consumo multicultural: aumento de 22% na venda de produtos venezuelanos e de 18% na abertura de novos restaurantes de comida de fusão.
- Reativação de áreas urbanas antes degradadas, que se transformaram em corredores comerciais diversos como o “barrio chamo” em San Juan de Lurigancho, os eixos Antúnez de Mayolo/Las Palmeras, em Los Olivos, ou microcorredores em Sucro com minimercados e restaurantes venezuelanos que atraem tanto diásporas como consumidores locais.
Esses resultados mostram como a mobilidade humana pode se transformar em um vetor de desenvolvimento inclusivo quando existe um ecossistema receptivo que traduz a diversidade em inovação.
Lições e aprendizados
O caso gastronômico e comercial de venezuelanos no Peru nos oferece algumas lições:
- A mobilidade é um ativo econômico: quando os migrantes têm acesso a instrumentos financeiros, educacionais e regulatórios, o retorno fiscal e social é positivo.
- A diversidade impulsiona a inovação comercial: as empresas que reconhecem e se adaptam a novos padrões culturais de consumo conseguem se diferenciar em mercados saturados.
- A integração requer governança compartilhada: políticas públicas, bancos, associações e organismos internacionais devem atuar de forma coordenada para transformar a mobilidade em inclusão produtiva.
- A reputação é construída a partir da empatia: as marcas que promovem a convivência e a diversidade obtêm legitimidade em sociedades polarizadas.
Inovação financeira impulsionada por diásporas no México. Um país sustentado pelo dinheiro que cruza fronteiras
O México é o segundo maior receptor de remessas do mundo, atrás apenas da Índia. Em 2024, as remessas representaram mais de 4% do PIB nacional, superando inclusive o investimento estrangeiro direto (Banco do México, 2025). Mais de 40 milhões de mexicanos e seus descendentes vivem fora do país, a maioria nos Estados Unidos, e enviam cerca de US$ 61 bilhões anualmente para as suas famílias.
Historicamente, esse fluxo econômico foi gerenciado por bancos tradicionais ou casas de câmbio com altos custos de envio e baixa inclusão financeira em comunidades rurais. No entanto, na última década, as diásporas mexicanas (mais conectadas e digitalizadas) impulsionaram uma transformação estrutural com a seguinte pergunta: como transformar o envio de dinheiro em uma plataforma de desenvolvimento financeiro e não apenas em uma transação? Isso criou uma grande oportunidade para as fintechs como catalisadoras de inovação, inclusão e competitividade nacional.
O problema: ineficiência, exclusão e perda de confiança
Até poucos anos atrás, o envio de remessas dos Estados Unidos envolvia custos entre 6% e 8% por transação, prazos de entrega longos e dependência de intermediários físicos, de acordo com o relatório Remittance Prices Worldwid do Banco Mundial, de 2024. Adicionalmente, a falta de infraestrutura bancária em comunidades receptoras deixava milhões de pessoas fora do sistema, já que apenas 49% dos adultos em zonas rurais tinham acesso a uma conta bancária (INEGI, 2024).
Em conclusão, os migrantes enfrentavam barreiras regulatórias e uma desconfiança em relação ao sistema financeiro formal, o que mantinha um volume considerável de transferências informais. As instituições bancárias, por sua vez, não tinham produtos adaptados para as necessidades específicas desse segmento da população. O desafio tinha três dimensões: tecnológica, cultural e de confiança. Como conectar dois mundos (o migrante digital e o lar desconectado) sob um mesmo ecossistema financeiro?
A estratégia: digitalizar a diáspora
A partir de 2020, uma nova geração de startups mexicanas (como Bitso, Cuenca e Finvero) redesenhou o mercado de remessas com soluções digitais focadas no usuário migrante.
A estratégia se apoiou em três eixos:
Tecnologia e custos
Foram implementados sistemas baseados em blockchain e stablecoins, reduzindo o custo médio de envio para menos de 2% e garantindo transações imediatas, inclusive entre moedas diferentes.
Confiança e transparência
As plataformas ofereceram acompanhamento em tempo real, atendimento personalizado e programas de educação financeira em comunidades receptoras. Isso aumentou a percepção de segurança em comparação com os bancos tradicionais.
Inclusão e diversificação
Foram criados produtos específicos: microcréditos para famílias receptoras, seguros de vida vinculados a remessas, poupança automatizada e opções de investimento em pesos ou dólares.
O modelo atraiu tanto usuários migrantes como instituições financeiras tradicionais interessadas em estabelecer parcerias. Em 2024, a Bitso alcançou mais de 6 milhões de usuários no México e na América Latina, se consolidando como uma referência regional.
Resultado: um novo ecossistema de inclusão financeira
Os efeitos foram rápidos e profundos:
- Em 2024, mais de 30% das remessas para o México foram feitas por meio de canais digitais, contra 8% em 2019 (Banco do México, 2025).
- As fintechs mexicanas captaram US$ 865 milhões em investimentos em 2024, o que representa 74% do capital de risco investido no México naquele ano (Fintech Radar Mexico Report, 2025).
- No México, o percentual de adultos com pelo menos um produto de poupança passou de 47,1%, em 2018, para 63%, em 2024, um aumento de 15,9 pontos percentuais (National Financial Inclusion Survey 2024).
- Foram feitas parcerias público-privadas para integrar os retornados em programas de crédito produtivo e formação financeira, como a Lei de Reinserção Econômica e Social para o Migrante Retornado (Lei N.º 30001) e o Programa 3×1 para Migrantes, que oferece assessoria técnica e facilita o acesso ao crédito para negócios vinculados a migrantes ou retornados.
Além dos números, o impacto na reputação foi evidente: O México começou a se projetar como um laboratório de inclusão financeira onde a migração e a inovação convergem para gerar bem-estar e desenvolvimento local.
Lições e aprendizados
- A mobilidade humana impulsiona a inovação quando se traduz em dados. Analisar padrões de envio, destino e frequência permitiu que as fintechs antecipassem necessidades e desenvolvessem soluções personalizadas.
- Confiança e adaptação são o novo valor financeiro. Em contextos de desconfiança institucional, as plataformas que comunicam transparência e propósito social conquistam legitimidade mais rápido do que as grandes entidades.
- O talento migrante é um ativo estratégico. Muitos fundadores e funcionários dessas startups são migrantes retornados que compreendem a experiência do usuário.
- A inclusão é rentável. Longe de ser um nicho assistencial, a base de migrantes se transformou em um mercado massivo que fortalece a estabilidade macroeconômica do país.
Educação internacional na Espanha (atração de talentos latino-americanos)
Na última década, a Espanha se consolidou como um dos principais destinos mundiais para estudantes internacionais, pelo idioma, afinidade cultural com a América Latina e a oferta universitária competitiva. No ano acadêmico 2022-2023, foram registrados aproximadamente 241.777 estudantes estrangeiros matriculados em universidades espanholas.
De acordo com a pesquisa Economic Impact of International Students in Spain, em 2023, os países latino-americanos representaram uma proporção significativa do corpo discente internacional na Espanha. Equador (7,08%), México (4,11%), Peru (3,89%) e Chile (2,72%) estavam entre os principais países de origem. Esse fluxo de estudantes gerou um impacto econômico estimado em aproximadamente 6,3 bilhões de euros, consolidando a Espanha como um dos destinos acadêmicos mais relevantes para a região.
Desafio
Para as universidades espanholas, atrair talento latino-americano envolvia superar vários desafios:
- Transformar-se em um destino competitivo em relação a Reino Unido, Estados Unidos ou outros países europeus que tradicionalmente concentravam fluxos internacionais.
- Adaptar serviços de orientação, acolhida, visto e emprego para estudantes latino-americanos com diferentes perfis acadêmicos, econômicos e culturais.
- Transformar os estudantes internacionais não apenas em fontes de receita, mas em vetores de inovação, internacionalização das instituições e redes transnacionais de influência.
Estratégia
Para encarar esses desafios, as instituições de ensino e autoridades espanholas implementaram uma série de ações estratégicas:
Programas de bolsas e acordos bilaterais
Universidades e o governo estabeleceram linhas de apoio financeiro para estudantes latino-americanos, promovendo a mobilidade acadêmica e a cooperação internacional.
Serviços de adaptação cultural e apoio ao estudante
Foram criados centros de atendimento ao estudante estrangeiro, mentorias, tutorias em espanhol e inglês e programas de integração nos campi com forte componente latino-americano.
Marketing internacional voltado para a América Latina e posicionamento institucional
As universidades reforçaram a sua visibilidade na América Latina por meio de feiras, parcerias com entidades latino-americanas, programas on-line que permitem estudar no país de origem e caminhos de transição para estudos presenciais na Espanha.
Resultados
- O número de estudantes estrangeiros alcançou um recorde de cerca de 241.777 em 2022-23.
- O impacto econômico estimado para aquele ano foi de mais de € 6,3 bilhões, mostrando que a internacionalização agrega valor além da matrícula.
- Dados sobre a origem dos estudantes mostram uma participação significativa da América Latina, o que confirma que a Espanha está captando o talento da região.
As universidades que adotaram essa estratégia fortaleceram a sua reputação global, ampliaram as suas redes de alumni latino-americanos e geraram sinergias em pesquisa e colaboração internacional.
Aprendizados
- A mobilidade acadêmica é investimento estratégico, não apenas fluxo educativo. A capacidade de atrair estudantes latino-americanos implica gerar receitas, internacionalizar a instituição, diversificar culturas no campus e ativar redes globais de influência.
- A adaptação cultural é fundamental para a retenção. Além da admissão, garantir a experiência do estudante com serviços de acolhida e redes de apoio é decisivo para a satisfação, a conclusão de estudos e a fidelização da instituição.
- O talento latino-americano conecta mercados. Os estudantes procedentes da América Latina não apenas estudam na Espanha, mas projetam marcas, empreendimentos e colaborações que vinculam a Espanha com seus países de origem, criando relações transnacionais de longo prazo.
- Diversificação geográfica e de perfil de estudantes reforça a resiliência institucional. Atender estudantes latino-americanos diminui a dependência de determinados mercados internacionais e permite adaptar-se diante de turbulências geopolíticas, econômicas ou migratórias de outros destinos tradicionais.
A nossa equipe de Deep Learning desenvolveu o Radar IA, um estudo pioneiro que analisa como são construídas e percebidas as grandes narrativas sobre migração e mobilidade humana. Incorporar essa camada de conhecimento (cujas descobertas aparecem no decorrer do relatório) responde à convicção de que a inteligência artificial já é uma ferramenta essencial para interpretar a conversa digital e detectar até que ponto existem consensos ou divergências sobre fenômenos tão sensíveis como o abordado neste estudo.
Como adiantado na introdução, o Radar IA combina rigor ético e visão estratégica, o potencial da inteligência artificial para ampliar a compreensão e detectar vieses, reconhecendo ao mesmo tempo que os sistemas automatizados também podem reproduzi-los. Por isso, o exercício se sustentou em uma cuidadosa seleção de fontes, idiomas e contextos culturais, com o objetivo de garantir uma leitura representativa e variada das percepções regionais.
O Radar IA combina rigor ético e visão estratégica, o potencial da inteligência artificial para ampliar a compreensão e detectar vieses.
Foram utilizados quatro modelos de inteligência artificial de última geração. Eles coincidiram em 69,2% das suas avaliações sobre o impacto econômico da migração, revelando um consenso narrativo surpreendentemente alto em um tema tradicionalmente polarizado. Este estudo analisou 1.440 respostas geradas pelo GPT-4o, Claude Sonnet 4, Gemini 2.0 Flash e Perplexity Sonar sobre 12 países da América Latina e Europa, com o objetivo de mapear como essas tecnologias constroem e comunicam narrativas sobre migração e economia.
As respostas foram medidas em seis dimensões principais:
- Marcos narrativos, identificando 12 categorias, desde Econômico-Laboral até Segurança.
- Setores econômicos mencionados como mais afetados.
- Tom predominante, classificado como equilibrado, crítico, muito positivo ou misto.
- Intensidade do impacto percebido, em escala de 0 a 10.
- Qualidade da evidência, segundo a presença de dados quantitativos e estudos citados.
- Nível de consenso entre os quatro modelos.
Cada IA respondeu a 30 perguntas por país, gerando 120 respostas por nação.
Principais descobertas
- Predomínio econômico: os modelos estruturam as suas respostas predominantemente a partir das lentes Econômico-Laboral (99% das respostas) e Produtividade-Competitividade (57%), relegando as dimensões sociais, culturais e de segurança a menos de 7% das narrativas.
- Liderança da inovação: o setor de Tecnologia e Inovação concentra as menções mais positivas (41%), com uma intensidade média de 7,2/10 e presença nos 12 países.
- Agricultura aparece em 23% das respostas com a intensidade mais alta registrada (7,8 de 10), com os modelos identificando dependência crítica de mão de obra migrante em cultivos específicos.
- Mercado de trabalho e Setor Público concentram as narrativas mais críticas, mencionados em 17% e 14% das respostas, respectivamente, como áreas de tensão ou desafio.
- Apenas 51% das respostas incluem dados quantitativos e apenas 29% citam estudos específicos, revelando que as IAs constroem narrativas principalmente a partir de padrões gerais mais do que de evidências empíricas rigorosas.
- O quadro Demográfico aparece em 38% das respostas com tom equilibrado, enquanto Inovação-Empreendedorismo (36%) e Cultural (6%) mostram tons muito positivos sistematicamente.
Padrões geográficos
Portugal lidera com a narrativa mais positiva (71,7% de taxa positiva em 120 respostas), seguido por Espanha (67,5% em 120 respostas) e Estados Unidos (67,5 % em 120 respostas). Por outro lado, a República Dominicana apresenta a narrativa mais crítica (50,0% positiva em 120 respostas), seguida por Colômbia (49,2% em 120 respostas) e Equador (47,5 % em 120 respostas). Observa-se um padrão em que países europeus e os Estados Unidos recebem avaliações consistentemente mais favoráveis do que nações latino-americanas receptoras de migração sul-sul.
Setores que os modelos identificam como vencedores
A Tecnologia e a Inovação dominam as narrativas positivas (41% das menções, intensidade 7,2 de 10), com os modelos destacando papéis no desenvolvimento de software, análise de dados e startups. A Agricultura aparece em seguida (23%, intensidade 7,8 de 10), com as IAs identificando dependência estrutural em colheitas sazonais e cultivos intensivos. Os modelos atribuem esses impactos positivos a mecanismos como complementaridade de habilidades, rejuvenescimento demográfico da força de trabalho e transferência de conhecimento transnacional. Inovação-Empreendedorismo aparece em 36% das respostas com tom muito positivo, enfatizando a criação de empresas e o dinamismo econômico.
Setores que os modelos identificam com desafios
O mercado de trabalho concentra as narrativas mais críticas (17% das menções), com os modelos apontando a concorrência por empregos de baixa qualificação e a pressão salarial em segmentos específicos. O setor público aparece em 14% das respostas, com as IAs identificando tensões na oferta de serviços de educação e saúde em contextos de alta concentração migratória. Os modelos mencionam como principais barreiras a informalidade de trabalho, desajustes de qualificação e capacidade institucional limitada para a gestão de fluxos migratórios rápidos.
Nível de consenso entre modelos
Os quatro modelos alcançaram 69,2% de consenso em suas avaliações, um nível notável considerando a complexidade e sensibilidade do tema. Essa convergência sugere que as IAs compartilham fontes de treinamento similares e padrões narrativos comuns sobre migração e economia. As divergências mais significativas aparecem nas estimativas quantitativas específicas e na ponderação relativa de impactos positivos versus desafios, mais do que nas estruturas conceituais fundamentais.
Qualidade da evidência utilizada pelas IAs
Apenas metade das respostas incorpora dados quantitativos e menos de um terço cita fontes verificáveis. As IAs tendem a oferecer estruturas conceituais sólidas mas com escasso respaldo empírico, o que estabelece desafios para a rastreabilidade e a verificação em contextos de tomada de decisões.
Principais implicações
As IAs reproduzem um viés sistemático em relação a narrativas econômico-laborais (99%), preterindo dimensões sociais, culturais e de segurança que são centrais nos debates públicos reais sobre migração.
Existe um padrão geográfico consistente em que países europeus e os Estados Unidos recebem avaliações mais favoráveis do que nações latino-americanas, sugerindo possíveis vieses em dados de treinamento ou leitura disponíveis.
A baixa citação de estudos (29%) indica que essas tecnologias trabalham mais como sintetizadoras de consensos gerais do que como ferramentas de pesquisa rigorosas, o que requer verificação humana especializada.
Os tomadores de decisão devem considerar que as narrativas de IA sobre migração priorizam impactos econômicos agregados sobre distribuição de custo-benefício, omitindo sistematicamente análises de equidade e coesão social.