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TemáticasAssuntos EuropeusDemocraciaPolarização
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SetorAdministração Pública
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PaísesBruxelas / União Europeia
O termômetro da opinião pública antes das eleições do Parlamento Europeu marcava uma temperatura muito alta do eleitor. Temia-se o pior para as políticas do próximo quinquênio e para o projeto de integração como um todo. A grande coalizão popular, social-democrata e liberal, que liderou a Europa desde o seu início, podia não ser suficiente. O dilema entre a participação dos Verdes nessa coalizão e o alargamento da base de apoio chegando a uma direita à direita do partido popular, desenhava um cenário de soma zero difícil de administrar.
O resultado das eleições foi melhor do que o esperado. O voto de protesto contra o governo em alguns estados-membros, como na França e na Alemanha, foi alto. Mas o equilíbrio dos dois grandes grupos políticos europeus, graças a compensações entre países, foi bom no caso dos populares e neutro no dos social-democratas. As graves perdas dos liberais e dos verdes não chegaram a reduzir a soma europeísta a níveis de ingovernabilidade.
Em todo caso, o que nos interessa aqui é observar não tanto o aspecto, mas a causa. Dito de outra maneira, o aspecto específico do populismo e da polarização na jurisdição europeia. Diferente não apenas em termos geográficos, mas também pela sua condição de projeto político em construção, em um lugar entre o Estado clássico e uma organização supranacional com traços federais.
Essa condição de projeto, de mudança de modelo de governo, explica algumas características do impulso populista na Europa e da sua manifestação social em forma de polarização.
Em primeiro lugar, a diluição do estado nacional em um projeto político integrador gera anticorpos que não foram bem administrados pelos líderes nacionais. A incapacidade de resposta do estado-nação aos desafios da globalização explica em grande medida as vantagens de um modelo supranacional. Mas as mesmas pessoas que participam e se beneficiam do processo atribuem frequentemente à Europa as decisões pelas quais não querem ser corresponsáveis. A Europa como bode expiatório gera uma polarização antieuropeia, sobretudo naqueles países que recuperaram recentemente a sua autonomia política no Centro e no Leste europeu após a queda do império soviético.
A diluição do estado nacional em um projeto político integrador gera anticorpos que não foram bem administrados pelos líderes nacionais
Uma polarização pela qual as instituições europeias também são responsáveis. Em especial a Comissão e o Parlamento, que com frequência parecem alheios aos debates nacionais que preocupam a população para a qual legislam, sem atender às diferentes sensibilidades de grupos e países. Também é natural que a necessária homogeneidade de regulamentações não inclua todos por igual.
A esse quadro mais geral de Europa sim, Europa não, acrescenta-se um debate que tem muito a ver com a falta de presença do europeu nos debates nacionais. Não existe opinião pública europeia como tal, pois as discussões mais acaloradas parecem girar em torno do nacional ou do local, prescindindo a sua adequação global. Desta maneira, o tratamento indiferente que a maior parte da mídia e dos responsáveis políticos dispensam em relação ao tema europeu produz frequentemente uma sensação de banalidade entre a população. Muito barulho por nada, pensam alguns quando veem as reuniões em Bruxelas e essa infeliz coreografia dos Conselhos Europeus.
Na LLYC, verificamos este fenômeno observando os debates nas redes sociais antes das últimas eleições do Parlamento Europeu. No nosso estudo (1) comprovamos como os grupos mais ativamente contrários ao processo de integração eram os que geravam o debate mais barulhento, que se impunha com nuances específicas nos temas que preocupam os cidadãos. Nacionalistas de ambos os lados protagonizam o debate em zonas de raiva. E quando chegam as eleições o voto de protesto aparece ampliado pela suposta irrelevância do objeto eleitoral. Uma consequência direta da falta de atenção ao nível europeu de representação democrática.
Um pouco mais delicada é a consideração da União Europeia como uma camada de valores imposta às idiossincrasias nacionais. Aqui a dificuldade é estrutural. Se estivermos falando de uma comunidade com valores compartilhados, o equilíbrio entre o próprio e o comum é um bem jurídico a ser protegido. Ampliar em excesso o que temos em comum pode produzir rejeição. Reduzi-lo a um mínimo denominador comum esvazia o projeto de conteúdo. Embora o Tratado e a jurisprudência do Tribunal de Justiça Europeu definam a nossa identidade comum, a tradução prática desse quadro de referência é mais complicada.
Em resumo, a nostalgia de uma soberania perdida, a suposta arrogância das instituições europeias, a falta de atenção ao processo político europeu e a rebeldia diante de valores compartilhados/impostos seriam, entre outras coisas, as coordenadas que definem um terreno específico de polarização.
A partir dessa perspectiva, mais estrutural do que conjuntural, é possível entender algumas diferenças entre o voto europeu e o nacional. As causas profundas da polarização, acertadamente abordadas por Miguel Lucas no relatório feito para esta revista, são as mesmas. Mas o seu reflexo no comportamento do eleitor tem nuances que tentei resumir em suas características mais gerais.
O processo político europeu é tratado como se fosse marginal, quando na realidade é o que determina de maneira mais decisiva o futuro dos cidadãos do continente
Existem outros fatores que também interferem no comportamento do eleitor e que diferenciam a atitude desse mesmo eleitor em uma eleição nacional em relação à europeia.
De todos eles, eu destacaria, no entanto, um que convoca toda a sociedade. Trata-se da inconsistência de líderes, partidos, meios de comunicação, agentes sociais e cidadãos na hora de abordar o processo político europeu. Um processo tratado como se fosse marginal, quando na realidade é o que determina de maneira mais decisiva o futuro dos cidadãos europeus.
(1) Estudo LLYC: Análisis de la conversación social – Unión Europea
Especialista no setor político, institucional e regulatório da Europa. Diplomata desde 1987, desenvolveu grande parte da carreira no âmbito europeu. Foi Diretor Geral de Política Exterior para Europa (2002-2004), Embaixador da Espanha na Romênia e Moldávia (2005-2009), Embaixador na Alemanha (2012-2016) e Embaixador Representante Permanente junto à União Europeia (2016-2021). Desde 2022 é o principal Conselheiro de Assuntos Europeus na LLYC. [Espanha]