Brasil: disputa por narrativas numa eleição imprevisível

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Muito se especulou sobre quais seriam os outsiders da política tradicional brasileira que fariam desta eleição presidencial a mais imprevisível desde 1989, pelo menos. Mas o registo das candidaturas trouxe um choque de realidade. Entre os candidatos considerados mais competitivos rumo ao Palácio do Planalto, nenhum é propriamente uma figura nova para o eleitor.

São cinco os nomes que são considerados efetivamente competitivos: Jair Bolsonaro (PSL), Marina Silva (Rede), Geraldo Alckmin, Ciro Gomes (PDT), Lula (PT), que poderia voltar à presidência para um terceiro mandato, não estivesse preso e com admissibilidade da sua candidatura ainda a ser, muito provavelmente, negada pela Justiça.

Em relação a temas de campanha e mensagem de comunicação que devem marcar a disputa presidencial no Brasil, sobressaem-se três eixos narrativos:

1. A polarização “amor/ódio” em torno do Lulismo

Desde as sondagens eleitorais realizadas ainda em 2017, o ex-presidente Lula é o único dos candidatos que aparece em posição consolidada acima dos 30% de intenção de votos.

Diante do quadro de rejeição do registo da sua candidatura, o candidato “de facto” do PT será o ex-prefeito e ex-ministro da Educação Fernando Haddad, originalmente apontado como vice na mesma candidatura.

Por outro lado, foi justamente passando pela polarização provocada pelo PT que, ao longo dos três últimos anos, pelo menos, Jair Bolsonaro conseguiu consolidar-se numa faixa eleitoral que vai dos 15% aos 20% nas intenções de voto. Por meio de uma agenda de aproximação com os movimentos que lideraram a campanha pró-impeachment de Dilma Rousseff nas redes sociais, Bolsonaro devastou o campo narrativo anti-PT e é o seu líder incontestável.

Para chegar lá, o que os números mostram até aqui é que o território dividido por Lula e Bolsonaro tem entre 40% e 50% do eleitorado. Eles dividem esse contingente, que é grande, mas deixa uma outra metade inteira de fora, talvez aquela que está cansada de uma narrativa de há anos na política brasileira, e que seja decisiva para quem for capaz de a conquistar na primeira volta.

2. Rejeição ao Governo Temer

Michel Temer equilibra-se nos 6% de aprovação (70% da população classifica a sua atuação como má ou péssima, segundo o instituto Datafolha).

Com menos de 2% das intenções de voto, Henrique Meirelles, ex-ministro da Fazenda e ex-presidente do Banco, teve a sua candidatura a presidente confirmada, apesar dos índices inexpressivos e de não contar com o apoio declarado de boa parte dos líderes e companheiros do seu próprio partido.

3. Estímulo do voto de “última hora” como “voto útil” e convergência de canais

O terceiro território que deve ser disputado cruza-se com o de rejeição a Temer e deriva um pouco de todos os demais, bem como da inconsistência do tabuleiro político que resistia até meados de julho: pesquisa da CNI/Ibope, realizada antes das convenções partidárias e divulgadas no começo de agosto, aponta que 59% dos eleitores estão indecisos ou pretendem anular ou votar em branco. Por outro lado, 73% deles admitem que podem mudar de opinião.

Em 2018, para tirar proveito desta tendência e apropriar-se deste território, estão na frente os candidatos que são menos conhecidos, aqueles que começaram a campanha há menos tempo, os que contarem com maior estrutura partidária e os que conseguirem dirigir o que se chama de “voto útil”.

Aqui, de novo, Bolsonaro investe no capital que já tem em mãos. Com uma grande proporção de eleitores na porção mais jovem do eleitorado e páginas de Facebook e perfis de Twitter que atuam efetivamente em rede, consolidando a sua narrativa, por meio de mensagens de diferentes fontes, o atual deputado já tem investido em debates controlados, por meio de transmissões independentes e editadas para serem facilmente replicadas em grupos de Whatsapp. Ao mesmo tempo, Marina Silva, que conta com o apoio voluntário do cineasta Fernando Meirelles, também já declarou que irá levar a sua campanha eleitoral para o ambiente virtual.

Uma quarta linha narrativa associada com a rejeição ao establishment político foi a que mais perdeu espaço com a cristalização das candidaturas atuais. Dentro dela, ainda tiram vantagem a apresentação de Marina Silva dentro do modelo de terceira via por negação e o discurso de outsider no meio político defendido por Bolsonaro.

Aprovando-se ou não os 13 anos do partido na presidência, o “Lulismo” ainda é o divisor de águas da política brasileira, dentro de um modelo personalista e populista que tem prevalecido no país durante todo o período pós-Getúlio Vargas.

Mesmo a narrativa de rejeição ao Governo Temer, em certa medida, não deixa de se alinhar ao movimento pró/anti Lula. Por isso mesmo, encontrar uma via de conciliação entre os dois extremos do eleitorado é o caminho narrativo em que procuram uma oportunidade de se posicionarem Alckmin, Marina e Ciro. Com nuances que se restringem conforme o gráfico a seguir, estes três, nesta ordem de probabilidade de êxito, devem utilizar narrativas secundárias muito próprias que lhes deem suporte.

Autores

Cleber Martins
Thyago Mathias

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