Entrevista com Martin Baron

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14 nov 2024

Martin Baron é um dos jornalistas norte-americanos mais respeitados da sua geração. Foi diretor do Miami Herald, do The Boston Globe e, durante quase uma década, do The Washington Post. Em todos eles demonstrou um grande talento para obter exclusivas que transformaram o panorama político e social do seu país. Mas, além disso, Baron teve que liderar a transformação desses jornais em meios digitais e a busca por rentabilidade em um momento em que os jornalistas tradicionais relutavam em abandonar o papel e os proprietários e diretores não tinham clareza sobre qual seria o modelo de negócio no médio prazo.

Como se isso fosse pouco, nos seus anos à frente do The Washington Post, que em 2014 foi comprado por Jeff Bezos, proprietário da Amazon, Baron teve que levar informação a uma sociedade norte-americana que se polarizava politicamente a um nível com poucos precedentes. Baron contou a sua experiência em um livro: Collision of Power. Trump, Bezos, and The Washington Post [sem edição em português. Colisão de Poder: Trump, Bezos e The Washington Post, em tradução livre]. Conversamos sobre tudo isso pelo Zoom.

P. Boa parte da sua carreira de jornalista teve a ver com a adaptação de jornais ao novo meio digital e com a redução de orçamentos. Agora que o modelo de assinatura se universalizou e muitos meios de comunicação voltaram a ganhar dinheiro, gostaria de perguntar se esse longo período de transição terminou.

R. Não. Acredito que teremos que reavaliar o nosso modelo de negócio a cada seis anos. Talvez menos. Há dois anos ninguém falava de inteligência artificial (IA) generativa. E agora só se fala sobre isso. Não apenas sobre o seu profundo impacto na sociedade como um todo, mas também na profissão de jornalista e no nosso modelo de negócio.

Às vezes, pensamos que a tecnologia simplesmente avança em um ritmo acelerado e a única coisa que devemos fazer é nos adaptarmos a ela. Mas é preciso ir além. É preciso abraçá-la e repensar como organizamos e transmitimos a informação, que tipos de narrativas funcionam e prestar muita atenção em como as pessoas desejam consumir informação, algo que muda constantemente. Diante dessas reinvenções drásticas, nós jornalistas temos que nos sentir confortáveis no desconfortável. Esse vai ser um estado permanente.
 

Teremos que reavaliar o nosso modelo de negócio a cada seis anos. Talvez menos. Há dois anos ninguém falava de IA generativa. E agora só se fala sobre isso

 
P. Os jornalistas se adaptaram a essas mudanças?

R. Nós sabemos obter informações. E atualmente se contrata mais pessoas com certas aptidões técnicas, que são capazes de avaliar e entender o que está acontecendo na internet, sobretudo nas redes sociais ou na forma como a IA é utilizada. Que detectam e analisam o que está acontecendo e entendem os dados. Agora precisamos dessas aptidões.

Mas em relação à forma de contar histórias, existe uma tendência na nossa profissão de prestar mais atenção em como se fazia isso no passado do que em como isso deveria ser feito agora. E o que deveria ser feito agora muda constantemente porque a forma como as pessoas consomem notícias e informação de uma maneira geral está mudando a todo momento. E isso requer uma mudança de atitude por parte dos jornalistas, que resistem a mudar. É muito perturbador ter que mudar a forma como fazemos as coisas a cada seis anos ou menos. Mas infelizmente é assim. Agora estamos muito mais parecidos com a indústria de tecnologia.

P. Também estamos mais parecidos na utilização das métricas.

R. É algo fundamental no nosso negócio. E isso significa não apenas fazer um produto, mas manter uma relação com os leitores. Isso nos levou a querer entender como as pessoas desejam receber informação e a usar métricas para ver se elas estavam satisfeitas ou insatisfeitas. O que elas querem? Como poderíamos oferecer isso de uma maneira melhor?

P. Isso era importante no que diz respeito ao negócio. Que os leitores se transformassem na principal fonte de financiamento do jornal, acima da publicidade.

R. Não sei se a principal, mas com certeza devem ser uma fonte de financiamento muito importante, muito maior do que obviamente foram no passado, quando não tínhamos assinantes. Acredito que os jornais vão continuar dependendo de publicidade e de eventos, e talvez de outras fontes de renda, mas acredito que os leitores deverão estar no centro.

O Facebook está tirando relevância das notícias. Antes essa rede era uma fonte importante de tráfego, mas atualmente representa muito pouco. E agora que os resultados das buscas estão sendo substituídos pelas respostas de IA generativa, o Google também vai gerar muito menos tráfego para os meios de comunicação. E, com certeza, o X também é uma fonte muito pequena de tráfego. Então, as organizações de notícias vão ter que desenvolver uma relação direta com os leitores, e o ideal seria que eles pagassem pela informação como se fazia antes. E que se desenvolvesse, como antes, uma relação direta com os leitores.
 

A mídia vai ter que desenvolver uma relação direta com os leitores, e o ideal seria que eles pagassem pela informação como se fazia antes. E que fosse desenvolvida uma relação direta

 
P. Além da transformação tecnológica, os meios de comunicação também perderam credibilidade. Isso se deve ao fato de que muitas pessoas os consideram parciais, que são movidos pela ideologia ou outros interesses?

R. Existem raízes mais profundas do que a parcialidade e isso tem a ver com o desenvolvimento da internet. Agora, qualquer um pode criar um meio de comunicação. Qualquer um pode ser apresentador ou podcaster. As barreiras de entrada são essencialmente nulas. E, muitas vezes, as pessoas vão a lugares que encontram nas redes e que confirmam o seu ponto de vista pré-existente. E, em alguns casos, eles podem incluir teorias da conspiração.

Agora, sempre é possível encontrar alguém que afirma que existe uma conspiração. Alguém que, por razões pessoais, políticas ou comerciais, difunde informação falsa deliberadamente. No passado não era assim. Atualmente, o desafio dos meios de comunicação é diferenciar-se dos outros. Deixar claro que o ponto central da nossa existência é o processo de verificação da informação, que temos uma equipe que faz isso e se comporta profissionalmente, que está muito comprometida com isso independentemente da ideologia.

P. Esse processo é muito difícil.

R. Se não fizermos isso nos tornaremos outro ator partidário no panorama político. E acredito que no longo prazo esse caminho não leva ao sucesso. Sem dúvida, não é fácil. Muita gente quer que tomemos partido. Quer que sejamos parte do processo partidário. Mas acredito que ainda existe um grande segmento da sociedade que gosta que exista um árbitro independente dos fatos.

P. Ainda mais em um contexto de polarização. Mas, essa polarização é muito diferente da que sempre existiu nas democracias?

R. É. Eu acredito que existem várias diferenças fundamentais em relação ao que existia antes. A primeira e mais importante é que no passado discordávamos sobre as medidas políticas que deveriam ser adotadas. Mas concordávamos, fundamentalmente, com um conjunto de fatos. Concordávamos com o que era a realidade objetiva, mesmo que não concordássemos na política. Hoje em dia, não temos um conjunto de fatos em comum. Na realidade, é pior do que isso. Sequer concordamos sobre como estabelecer que algo é um fato. No passado, os elementos que utilizávamos para determinar que algo era uma realidade objetiva eram a educação, os conhecimentos, a experiência e, sobretudo, as provas, aquilo que podíamos ver com os nossos próprios olhos e ouvir com nossos ouvidos. Hoje, tudo isso foi desvalorizado. E esse ambiente é, sem dúvida, muito traiçoeiro para o jornalismo, mas também para a democracia e, francamente, para a sociedade em geral. Vimos isso na política e na área de saúde e da ciência, especialmente durante a pandemia e a partir daquele momento.
 

Não é possível existir democracia sem uma imprensa livre e independente. Mas também não é possível existir uma imprensa livre e independente sem democracia

 
P. No seu livro você se mostra relativamente otimista em relação ao futuro do jornalismo e da comunicação, embora a política esteja passando por um momento complicado.

R. Sim, eu gosto de ser otimista. É importante que tenhamos sucesso. E eu não conheço ninguém que tenha alcançado o sucesso achando que ia fracassar. Nós passamos por momentos muito difíceis e os superamos. E nos reinventamos como profissão. Acredito que tenhamos que continuar nos reinventando. No entanto, o nosso futuro depende em grande medida da democracia. Não é possível existir democracia sem uma imprensa livre e independente. Mas também não é possível existir uma imprensa livre e independente sem democracia. Enquanto esta existir, acredito que a sociedade sempre vai precisar estar informada sobre o que ocorre na sua comunidade e no seu país. E esse é o papel da imprensa. Acredito que as pessoas vão acabar entendendo a diferença entre informação verificada e informação não verificada, a diferença entre o trabalho profissional e as pessoas que decidiram começar a publicar na internet ontem, sem recursos para fazer nenhum tipo de verificação. Sou otimista, desde que façamos o que temos que fazer.

Martin Baron
Martin Baron
Jornalista e ex-Diretor do Washington Post

Martin Baron é um dos jornalistas mais reconhecidos do mundo, tendo destaque pelo trabalho como diretor do Boston Globe entre 2001 e 2012, onde liderou a equipe de investigação Spotlight, premiada com o Pulitzer em 203. A história sobre este caso foi adaptada para o filme Spotlight, que ganhou o Oscar de Melhor Filme em 2015. Sua carreira de jornalista começou em 1976 no Miami Herald. Trabalhou no Los Angeles Times antes de entrar para o New York Times em 1996. Voltou para o Miami Herald em 2000, onde cobriu casos emblemáticos como o do menino Elián González. Em 2013, assumiu a direção do Washington Post, onde trabalhou até a aposentadoria em 2021. Nascido em Tampa, Flórida, fala espanhol fluentemente e se formou pela Universidade de Lehigh, onde obteve tanto um bacharelado como um MBA em 1976. [EUA]