A jornada de vida da mulher é repleta de ritos e muitos deles são marcados pela transformação do seu corpo. Não se trata unicamente sobre fisiologia ou simbologia, mas como essa junção molda experiências ao longo dos anos, como durante a menopausa, que define mais uma era. Antes de você avançar na leitura deste artigo, é bom acordarmos que ele não é sobre uma discussão científica, mas sim sobre representatividade. O que, necessariamente, esbarra em questões sociais, políticas, econômicas e culturais.
É sobre representatividade, pois os resultados do levantamento de percepção realizado no Brasil, pelo núcleo de Healthcare e Advocacy da LLYC, apontou que as três maiores apreensões das mulheres sobre a menopausa e o climatério são a alteração de peso, a queda da libido e as ondas de calor, comumente chamadas de fogacho. Há ainda de destacar na sequência, os impactos sobre a saúde mental, tema cada vez mais relevante e necessário ser debatido.
O levantamento, feito com 151 mulheres de 35 a 65 anos, não pode ser considerado um estudo científico, mas estimula a discussão de importantes questões. Uma delas é o desconhecimento sobre o que são esses períodos da vida da mulher. Quase 50% dizem saber a diferença entre a menopausa e o climatério, entretanto 30,5% têm uma ideia e 21,2% não sabem, o que interfere no entendimento e identificação de sintomas, que são mais de 70, bem como na busca por cuidados específicos. As mulheres não são preparadas para chegar à menopausa.
Pesquisa da Sociedade Brasileira de Climatério (Sobrac), de janeiro de 2022, realizada com 1.500 mulheres com idade entre 45 e 65 anos, demonstrou que apenas 22,3% das entrevistadas receberam recomendação do uso de terapia hormonal para melhoria dos sintomas por seus médicos.
Dentre as mulheres respondentes do estudo de percepção da LLYC, que ainda não chegaram à menopausa, 47,9% afirmam que discutiriam com seu médico o uso do tratamento hormonal e 39,7% utilizariam com certeza. Os índices entre as mulheres que já estão na menopausa ou no climatério são próximos: 40% e 43,1% respectivamente.
Quando questionadas sobre quais terapias utilizam para tratar os sintomas, a hormonal ocupa a quarta posição, atrás de atividades físicas, dieta alimentar e até mesmo a ausência de qualquer cuidado específico.
Em reportagem publicada no The New York Times, em fevereiro de 2023, Women Have Been Misled About Menopause – em tradução livre – As mulheres foram enganadas sobre a menopausa, a jornalista Susan Dominus, autora do texto, afirma que a educação das pessoas que deveriam tratar as mulheres nesta fase da vida é negligenciada, forçando-as a tomarem decisões difíceis sem o devido apoio ou compreensão sobre o assunto. De acordo com um estudo realizado nos Estados Unidos e apresentado na reportagem, 44% das mulheres disseram discutir com seus médicos sobre sintomas, mas a grande maioria geralmente se sente estranha ao iniciar conversas sobre a questão e podem nem mesmo identificar os sintomas como sendo manifestação da menopausa. Cenário bem diferente é apontado pelas entrevistadas no estudo da LLYC, em que 97,4% das entrevistadas dizem se sentir confortáveis em falar abertamente sobre sintomas e tirar dúvidas com um/uma especialista.
Informação para quebrar tabus
Levando em consideração que 106 das 151 respondentes elegeram um/uma especialista médico/a como a principal fonte de informação sobre a menopausa e o climatério, isso demonstra a necessidade do contato próximo com um profissional da saúde, bem como da construção de uma relação baseada em confiança. Amigas e familiares também são uma forma apontada para tirar dúvidas. Somente em terceira posição, foram indicados os meios de comunicação.
Neste segmento, o Google lidera o ranking sendo a principal fonte de informação. E nas pesquisas realizadas na plataforma sobre o termo ‘menopausa’, dos 14 assuntos relacionados, os três primeiros são sobre tratamento hormonal.
Ainda sobre meios de comunicação, as fontes especializadas, como estudos, ensaios, pesquisas e sites de farmacêuticas, ficam em segunda posição. Em terceiro, o Instagram e, por fim, a imprensa tradicional: jornal online e impresso, revista, TV e rádio.
No Instagram há, em português, mais de 620 mil menções ao termo menopausa e mais de 150 mil relacionadas ao climatério. Os conteúdos tratam dos mais variados temas possíveis, como dicas, exercícios, dietas, entre outros. Tudo buscando naturalizar um tema que para muitas mulheres ainda é tabu. É o que afirmam 48% das 2 mil brasileiras ouvidas no 1º Estudo Menopausa e Suas Etapas, realizado em 2022 pela Essity, empresa global de higiene e saúde. Do total, 69% têm a percepção de que as pessoas relacionam menopausa à velhice. Mas não é só isso, 55% não gostam de falar sobre a “deterioração” do seu corpo. Não por acaso, no estudo da LLYC, ‘envelhecimento’, ‘velhice’ e ‘idade’ são algumas das palavras mais recorrentemente citadas pelas participantes.
Mas na plataforma, que é a terceira mais utilizada pelos brasileiros, com 113,5 milhões de usuários, de acordo com relatório de fevereiro de 2023 produzido em parceria por We Are Social e Meltwater, não faltam exemplos de produtoras de conteúdo que tentam ressignificar esse período que é natural para todas as mulheres, como a figurinista Wladia Goes, que compartilha com 151 mil seguidores seu cotidiano com muito bom humor e se descreve como “Belérrima Sempre, Perfeita Jamais”.
Este tem sido, por sinal, a tônica de como a conversa tem acontecido nas redes sociais – destaque para o Instagram e o TikTok – e estimulado uma mudança de percepção sobre a mulher no período da menopausa e do climatério. Enquanto as redes trazem conteúdo de ‘mulheres reais’ e suas jornadas de vida, a imprensa tradicional, de maneira geral, ainda mantém uma pauta sobre questões técnicas, dando destaque para a experiência de ‘mulheres celebridades’.
Em uma ocasião excepcional, o tema da menopausa ganhou destaque em uma das novelas da Rede Globo – maior emissora de TV do Brasil. Considerada um divisor de águas na teledramaturgia brasileira, o folhetim Vai na Fé contou com quase 70% do elenco preto e/ou pardo, sendo uma das personagens a representação da mulher brasileira de 40 anos, enfrentando os sintomas da menopausa ao mesmo tempo que lidava com desafios comuns de milhões de mulheres.
Conscientização para mudar o cenário
Desde 2009, a International Menopause Society (IMS) e a Organização Mundial da Saúde (OMS) definiram outubro como o Mês Mundial da Conscientização da Menopausa. Enquanto no Brasil, somente em 2023, teve início a tramitação do Projeto de Lei n° 3933/23 no Senado Federal, que dispõe sobre o tratamento do climatério e menopausa pelo Sistema Único de Saúde (SUS), em outros países, empresas do setor privado já oferecem às suas colaboradoras benefícios corporativos, como atendimento por um seleto grupo de especialistas certificados em menopausa nos EUA, além de cobertura de tratamentos hormonais de alto custo.
Iniciativas como esta se justificam ao depararmos com dados do estudo da Mayo Clinic Women’s Health, nos Estados Unidos, que estimou que as faltas ou redução de horas trabalhadas custam aos EUA US$ 1,8 bilhão por ano e a menopausa gera despesas médicas anuais na ordem de US$ 26,6 bilhões. É a partir de dados e fatos, que a menopausa e o climatério deixam de ter uma percepção, de certa forma, caricata e avançam para um devido espaço de debate relevante sobre a saúde da mulher e a adaptação de um sistema formatado para homens que precisa urgentemente de transformação.
Giuliana GregoriDirectora de Healthcare y Advocacy LLYC Brasil.
Caio WagnerConsultor Senior de Healthcare y Advocacy LLYC Brasil.