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Fazer negócios nos Estados Unidos ou com os Estados Unidos hoje em dia pode parecer como navegar em um campo minado político. Tarifas mudam da noite para o dia. Tempestades nas redes sociais eclodem a cada hora. Políticas ziguezagueiam pelo cenário federal, e o terreno sob as assembleias legislativas estaduais e prefeituras não é menos volátil.
Estamos vendo empresas reagirem com medo e confusão compreensíveis diante dessa incerteza.
Muitas grandes organizações agora fazem tudo o que podem para ficar fora do radar, algumas até ficando paralisadas, com seu envolvimento proativo com o governo reduzido a quase nada. Conglomerados multinacionais, líderes industriais regionais e startups inovadoras estão adotando uma postura de “só falar quando for falado” em relação à prática de relações públicas.
Isso é um erro. E pode ser um erro caro a curto e longo prazo.
A verdade é esta: grande parte do caos atual não é novidade. É apenas mais barulhento, mais rápido e está acontecendo diante dos olhos de um público que agora consome os processos governamentais como se fossem um reality show. Os riscos sempre foram altos, mas agora os líderes corporativos têm menos tempo para tomar decisões. Todos estão observando cada minuto do dia e mesmo a melhor política, discurso ou resultado trimestral pode ser distorcido, falsificado ou filtrado de maneira negativa.
Em tempos como estes, é tentador recuar — agachar-se e esperar pela próxima eleição ou pelo próximo ciclo de notícias. Mas, em nossa experiência, essa é a atitude errada. Metade dos EUA está sempre esperando pela próxima eleição, e o próximo ciclo de notícias pode ser ainda pior do que este para as empresas que não assumem o controle de sua própria narrativa. Passividade e paralisia não vencem em assuntos públicos.
As organizações mais bem-sucedidas — aquelas que crescem, perduram e lideram — são as que se envolvem. Não apenas ocasionalmente. Não apenas em Washington, D.C. Mas de forma persistente e em todos os níveis.
Um de nós atuou em ambas as câmaras do governo estadual, e ambos assessoramos clientes nacionais e internacionais por décadas. Uma coisa permaneceu verdadeira em todas as sessões, negociações orçamentárias e mudanças políticas: toda política ainda é local. Isso não é apenas uma frase popular. É uma estrutura prática para como os assuntos públicos devem ser abordados — especialmente agora.
A licença social para operar
Estamos ouvindo muito sobre a “licença social para operar” (SLO) atualmente — e por um bom motivo. Não se trata de uma autorização regulatória ou documento legal. É a permissão da comunidade, até mesmo a expectativa, para que sua empresa exista e tenha sucesso. E, assim como a confiança, ela não pode ser comprada ou apressada. Ela é conquistada.
Você constrói essa licença aparecendo — em prefeituras, em capitólios estaduais, no chão de fábrica e nas câmaras municipais. Quando as tarifas semeiam dúvidas entre seus clientes, você os lembra de que está com eles. Quando as regulamentações mudam e os fornecedores fazem perguntas, você os tranquiliza de que a parceria ainda está de pé. Você não corre atrás de manchetes. Você lidera estando presente, sendo proativo e transparente.
As empresas trabalham muito durante muitos anos para criar cuidadosamente suas marcas, usando diversos grupos focais, publicidade e testes de produtos, o tipo de iluminação nas lojas, a fonte usada nos sites. Mas, sem uma estratégia ativa de licença social em questões importantes da atualidade, a base da marca pode sofrer danos substanciais a longo prazo. Quase sempre são danos que poderiam ter sido evitados.
Considere o caso da varejista Target. Em janeiro deste ano, a empresa (como outras) anunciou uma reversão de suas políticas de DEI, que abrangiam tudo, desde a promoção de funcionários até a seleção de fornecedores. A reação dos consumidores e da política foi substancial, incluindo boicotes e uma queda de 26% no preço das ações.
Embora não possamos revelar as pesquisas da Target que levaram à decisão de janeiro, parece que eles podem ter pulado algumas etapas. Dada a reação de tantos grupos diferentes, é difícil discernir qualquer busca consciente pela licença social para operar em relação à mudança na política de DEI.
Especificamente em relação às relações governamentais, a falta de planejamento e engajamento relevantes ficou em evidência em junho, quando a Target finalmente se reuniu com o influente Congressional Black Caucus (Comitê Negro do Congresso). As manchetes que saíram dessa reunião — ocorrida seis meses após a decisão sobre DEI — foram ruins para a Target. Os líderes do comitê pressionaram o CEO da Target por “respostas claras” e exigiram “responsabilidade”.
Não há atalhos para os assuntos governamentais, nem vantagem em tentar evitar temas difíceis. A Target deveria ter percebido isso após seus erros anteriores na questão LGBTQ. Se ela tinha um plano para assuntos governamentais antes do anúncio de DEI em janeiro, isso certamente não ficou evidente.
O continuum dos assuntos governamentais
Como ilustra o caso da Target, quando você recebe uma ligação do Congressional Black Caucus, já é tarde demais.
É hora de parar de pensar nas relações governamentais como um conjunto de emergências a serem gerenciadas e começar a reconhecê-las como um continuum. As relações governamentais não são um mapa estático repleto de minas terrestres. É um rio — e, como qualquer rio, deve ser navegado, monitorado e respeitado ao longo do tempo. Seu sucesso nesse rio depende da consistência e clareza de seus esforços.
Seja o caos jurídico em torno de tarifas abrangentes, as repercussões públicas de publicações online ou as mudanças nas pesquisas de opinião que mostram os americanos insatisfeitos com a liderança política, os riscos são reais. Mas as oportunidades também são. E, mais importante, essas oportunidades existem em todos os níveis do governo, não apenas em Washington D.C.
Veja o caso dos incentivos federais sob a Lei JOBS e a pressão competitiva em nível estadual para atrair projetos de infraestrutura para vários estados.
Bilhões em financiamento federal foram anunciados para projetos ferroviários e rodoviários, mas as empresas ainda enfrentam um labirinto de incertezas — atrasos nas licenças locais, NIMBYismo, resistência estadual e até mesmo reações políticas contra parcerias estrangeiras.
Grandes investimentos, como o projeto do trem-bala do Texas entre Dallas e Houston, originalmente ligado a proprietários japoneses, provocaram forte resistência local e uma cascata de mudanças no apoio político nos níveis municipal e estadual. O que isso nos diz?
Mesmo com o apoio da Casa Branca e recursos federais robustos, um projeto pode tropeçar — ou parar completamente — se as preocupações da comunidade forem ignoradas ou se a empresa não tiver uma presença consistente no local. A lição é clara: sua licença para operar não vem, em última instância, de Washington, mas das pessoas que vivem onde você constrói.
Antecipação e preparação
O sucesso na era atual também requer disposição para usar as ferramentas de dados disponíveis para garantir que o envolvimento proativo seja informado e mensurável. Em 2020, o Dr. Rodrigo Navarro publicou “Dez mitos sobre relações governamentais” no International Journal of Business Management. Um desses mitos era “É muito difícil medir resultados”.
Quer você dê crédito ou culpa a Karl Rove ou James Carville, as aplicações políticas dos dados ajudaram a nos trazer até este ponto. As empresas devem reconhecer esse poder e garantir que uma abordagem de assuntos governamentais utilize análises eficazes para dissecar questões-chave, traçar o perfil das partes interessadas, planejar opções e definir um caminho eficaz a seguir.
Desta forma, as empresas podem (e devem) estabelecer KPIs claros nas relações governamentais como base para garantir o que hoje é conhecido como licença social para operar. Da análise de sentimentos em tempo real e pesquisas geograficamente direcionadas ao rastreamento de políticas impulsionado por IA e mapeamento de partes interessadas, compreender o cenário local, regional e nacional está mais possível do que nunca.
Mas as ferramentas são tão boas quanto a estratégia por trás delas. As empresas devem usar as informações de maneira eficaz para garantir resultados acionáveis. Estudos de reputação, análise de polarização, análise de sentimentos por cidade – tudo isso deve fazer parte de um plano de ação geral que inspire confiança. Não importa se a próxima reunião será na Casa Branca ou na prefeitura.
A boa notícia
Aqui está a boa notícia — e a verdade desafiadora: esse trabalho não tem fim. É como usar fio dental ou trocar o óleo do carro. Se você negligenciar, pagará o preço. Se persistir, prolongará a vida e o sucesso de sua operação.
As organizações que sairão mais fortes desse período são aquelas que retornarem aos fundamentos:
- Qual é a sua missão?
- Quem são seus clientes, consumidores e partes interessadas da comunidade (incluindo formuladores de políticas)?
- Como você está se envolvendo em todos os níveis agora para ganhar a confiança deles amanhã?
Essas perguntas não são filosóficas — elas são operacionais. E são mais relevantes hoje do que nunca.
É por isso que instamos os líderes a pensar de forma holística: o envolvimento não é apenas lobby federal ou resposta a crises. É investimento na comunidade, comunicação com os funcionários, alinhamento com os fornecedores e confiança da vizinhança. É bipartidário, multinível e contínuo.
Nos próximos meses, à medida que o teatro político se intensifica, as políticas mudam e as manchetes se tornam mais dramáticas, mantenha-se fiel ao que funciona. Volte ao básico. Reafirme sua missão. Reconecte-se com as pessoas a quem você serve. Isso não é apenas uma questão de relações públicas inteligentes, é uma questão de negócios inteligentes.
Don Hunt
Corporate Affairs General Director, USA at LLYC.
John Proos
CEO at JP4 Government Solutions.