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Desde que foi lançada nos anos 80 e se transformou em um grande sucesso internacional, a famosa música I Want it All, do Queen, não esteve tão atual como agora. Eu a escutei inúmeras vezes em casa – resultado de ter uma mãe fanática pelo Freddy Mercury –, mas agora, ela me vem à mente com frequência porque eu acredito que poderia ser o hino da nossa época.
O tempo é um bem precioso e escasso e o sentimento de urgência ressoa hoje mais do que nunca na sociedade. O mundo da construção de marcas, com certeza, não fica de fora disso. Queremos marcas comprometidas, que tenham valores e que sejam coerentes com eles. É claro que a vida nos pressiona e a nossa impaciência também: elas devem ser comprometidas e coerentes de forma radical, já, aqui e agora. Na era da polarização, colocar a impaciência contemporânea, o propósito e a política no mesmo balaio termina em uma tempestade perfeita.
O TÃO AMADO QUANTO ODIADO PROPÓSITO
No últimos tempos, o “propósito” foi usado como palavra-chave do marketing. Vários estudos nos confirmaram que os consumidores de hoje não apenas querem produtos e serviços de qualidade, mas exigem que as marcas adotem e demonstrem um compromisso genuíno com os desafios sociais, de meio ambiente e de governança. As tendências de consumo dizem que compramos de empresas que refletem os nossos valores pessoais porque isso nos ajuda a sentir que estamos participando da solução desses problemas. E boicotamos ou não compramos daquelas que não refletem nossos valores porque, da mesma forma, sentimos que assim não perpetuamos os problemas do planeta.
Grandes multinacionais de todo o mundo, em vários setores de consumo, adotaram essa filosofia e desenvolveram planos de sustentabilidade e responsabilidade social que procuram não apenas reduzir a sua pegada ambiental mas também promover a igualdade e o bem-estar nas comunidades onde operam. Entretanto, as empresas recém-criadas já nasceram com esses princípios de impacto social positivo e por isso, construíram os seus modelos de negócio e os seus relatos como marca sobre novos valores e princípios éticos.
Em meio a essas duas realidades, esse conceito de propósito teve tempo de gerar polarização entre os profissionais da construção de marcas, e é possível encontrar reflexões opostas sobre o quanto de greenwashing ou pressão está envolvido. Algumas vezes ele foi, inclusive, capaz de encobrir CEOs ativistas e, da mesma forma, expulsar de empresas outros que o defendiam.
AS MARCAS NÃO POLARIZAM, A POLÍTICA SIM
Quando as marcas se posicionam, se expõem à polarização porque ela está inserida na política. As reações do consumidor flutuam entre uma lealdade elevada à máxima potência, love brand, e a máxima hostilidade pública, brand rage. Um bom exemplo desta tendência é a já famosa campanha de uma reconhecida marca de tênis protagonizada por Colin Kaepernick. Muitos americanos elogiaram a campanha, enquanto outros iniciaram um boicote à marca e queimaram os tênis em público.
O reduzido consenso em termos sociais é um desafio de primeira ordem para as marcas, em particular para as maiores e mais poderosas. Para esse tipo de marca, o posicionamento está normalmente à mercê de um amplo e integrado espectro de valores. E isso bate de frente com uma sociedade que se mostra bipolar na hora de expressar os valores que a sustentam, como dizem Miller y Bolte. Atualmente, os valores e as causas sociais estão totalmente politizados e é nesta interseção que a marca a e a polarização se encontram.
A IMPORTÂNCIA DE QUEM TRANSMITE A MENSAGEM
A geração Z prefere a autenticidade e a proximidade do peer to peer às mensagens corporativas tradicionais. Prefere escutar os seus pares do que as grandes empresas. Isto impõe um desafio adicional às marcas: já não se trata unicamente de saber se falo ou não sobre propósito, com qual causa social me relaciono. Em última instância, talvez a oportunidade não esteja no quê, mas em quem.
O mensageiro é o maior obstáculo ou o facilitador. As novas gerações procuram autenticidade e para isso as marcas têm o duplo desafio, e a ao mesmo tempo a oportunidade, de propor estratégias de influência para promover o seu propósito com KOL, funcionários, macro, micro e nano influencers, de modo que a autoridade deles atue como mensageiro melhor do que os executivos.
QUALQUER PROCESSO DE TRANSFORMAÇÃO REQUER TEMPO
Estamos vendo que o compromisso social já não é uma opção, mas uma necessidade. Que o segredo está em realizá-lo de maneira autêntica e consciente, ao mesmo tempo em que se escolhem os emissores que tragam maior autenticidade. E assumindo que quando nos posicionamos sobre aspectos sociais e de valores, nos aproximamos do político. E nesse momento, portanto, já de maneira inevitável, a polarização está garantida.
Mas o que acontece com o fator tempo nessa polarização? Não paro de pensar que a impaciência alimenta essa polarização, é o pior terreno fértil. Observo, frequentemente, uma exigência exagerada em relação às marcas. Pedimos a elas coerência extrema em seus atos, suas decisões e suas mensagens, inclusive quando elas mesmas reconhecem e comunicam que seus planos de mudança vão levar tempo, até décadas. Existe algo tremendamente positivo nestas reivindicações feitas às marcas porque isso reafirma a importância delas como agentes sociais e como referenciais positivos de mudança. Mas também percebo que, frequentemente, esquecemos que qualquer processo de mudança ou de evolução necessita de tempo. Inclusive porque se não dermos tempo para uma marca avançar na sua trajetória em direção a um impacto positivo na sociedade, no meio ambiente e na parte de governança, talvez ela sinta que não vale à pena tentar, que a polarização é um preço que ela não quer pagar, e se concentre naquilo que lhe dê resultados comerciais no curto prazo. Tenho a sensação de que seria uma lástima, mas é claro que sempre pode haver quem veja isso de maneira contrária.
Com mais de 16 anos de experiência na Ogilvy, onde chegou a ser Diretora Geral, Gemma lidera a estratégia de marketing da LLYC na Europa, desenvolvendo oportunidades de crescimento inorgânico e colaborativo. É formada em Publicidade e Relações Públicas pela Universitat Autónoma de Barcelona e tem um mestrado em Direção de Marketing e Gestão Comercial pela ESIC. Também foi professora na EAE Business School e na UAB. [Espanha]