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2023 foi um ano difícil para as entradas em bolsa. Os volumes caíram a pique e as poucas estreias que foram concluídas sofreram no mercado secundário. Os investidores ainda estão a digerir as pesadas perdas das OPV de 2020 e 2021. Além disso, as empresas de capital de risco recorreram à recompra de empresas que tinham aberto o capital apenas alguns anos antes, após retornos de investimento dececionantes.
O panorama europeu é ainda mais sombrio. As OPV de grandes empresas não se concretizaram, uma vez que preferiram esperar por condições de mercado mais favoráveis, e outras estreias foram adiadas após roadshows para sondar os investidores.
Em suma, se as boas empresas têm dificuldade em entrar na bolsa, será o momento de escrever o obituário das OPV enquanto produto financeiro?
A minha resposta é categoricamente não. O mercado das OPV está aberto, mas com determinadas condições. Neste momento, as empresas ainda estão num impasse com os investidores, porque estão a jogar com as avaliações. Mas não tenham receio, este impasse será resolvido e o mercado renascerá das cinzas como uma fénix. Só vai demorar algum tempo.
Vale a pena examinar brevemente por que motivo existe uma tal desconexão entre os dois lados de uma OPV. Muitas empresas obtiveram enormes quantidades de capital com avaliações inflacionadas durante o boom da era COVID de 2020 e 2021. As avaliações das ações tecnológicas e das denominadas concept stocks (ações alavancadas numa ideia com elevado potencial) sofreram uma forte correção desde então, e é difícil tentar uma entrada na Bolsa numa “down round” (negociação com uma avaliação inferior à da ronda de financiamento anterior).
Por um lado, exigiria que o investidor privado ajustasse o valor da sua participação, expondo-se a resgates e a críticas dos seus investidores finais. Por outro lado, a “down round” desencadeia frequentemente cláusulas anti-diluição para os grandes acionistas, criando tensões com outros acionistas, como os trabalhadores e as equipas de direção. Idealmente, a maioria das empresas prefere esperar que o mercado recupere e lançar uma OPV a um nível mais elevado do que nas últimas rondas de financiamento.
Para os restantes investidores, a história é outra. Precipitaram-se a entrar em OPV e SPAC no período frenético de 2020-2022, e as suas carteiras ainda carregam essas cicatrizes. Nos mercados atuais, estão a mostrar mais disciplina e a exercer o seu poder de fixação de preços.
No entanto, os descontos exigidos pelos investidores estão a revelar-se intoleráveis para as empresas. Isto deve-se, em parte, ao facto de muitas destas OPV envolverem vendas e não a angariação de novo capital para financiar o crescimento e o investimento.
Então, que tipo de debuts poderemos ver? Em primeiro lugar, quanto maiores, melhor. Os investidores têm-se sentido frustrados com a falta de liquidez do mercado, que lhes dificulta o ajustamento da dimensão das suas posições. Mesmo que uma ação tenha um preço atrativo, nenhum investidor quererá comprá-la e ficar preso. De facto, os próprios gestores de risco dos fundos impedirão esse tipo de posições. Assim, e citando o filme Godzilla de 1998, “o tamanho é importante”.
Em segundo lugar, as OPV resultantes de cisões de conglomerados industriais serão atrativas. Os investidores estarão familiarizados com o ativo e as empresas-mãe estão frequentemente menos preocupadas em espremer até ao último cêntimo do preço do negócio. Os investidores têm boas recordações da entrada em Bolsa da Porsche do Grupo Volkswagen, embora outras cisões, como a OPV da Nucera do Grupo ThyssenKrupp, não tenham sido bem-sucedidas no mercado após um debut positivo.
Em terceiro lugar, a qualidade é fundamental. A mentalidade de “correr para o lixo” de 2020-2021 acabou. Os investidores procuram agora um crescimento sustentável, uma forte geração de caixa e margens sólidas. Se uma empresa que entra em bolsa está a perder dinheiro, é bom que tenha uma via credível para a rentabilidade a curto prazo.
Em suma, estou otimista quanto à recuperação dos volumes em 2024, após dois anos de fraca atividade. Mas primeiro será necessário eliminar o estrangulamento da avaliação.
Craig Coben.
Antigo Diretor Global de ECM no Bank of America e colaborador do Financial Times