O que é a polarização e por que ela importa?

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14 nov 2024

O relatório sobre Riscos Globais do Fórum Econômico Mundial deste ano identificava a polarização da sociedade como o terceiro maior risco mundial no curto prazo. A polarização da sociedade faz referência ao conjunto de divisões ideológicas e culturais que conduzem a um declive da estabilidade social, a contínuos bloqueios na tomada de decisões públicas, a perturbações econômicas e a uma crescente polarização política. A polarização também está intimamente relacionada com outros riscos sociais como a desinformação, a violência dentro dos estados ou a degradação dos direitos humanos. Além disso, as sociedades divididas encontram-se pior preparadas para enfrentar outros desafios globais como a transição ecológica, as transformações econômicas, demográficas ou digitais, a difusão de doenças infecciosas, como tivemos a oportunidade de comprovar durante a pandemia de covid-19.

A polarização da sociedade é o resultado de dois processos sociais inter-relacionados, porém diferentes. O primeiro, que parte da esfera política, consiste em um processo de divisão e radicalização das elites políticas e dos seus eleitores. Desde começos deste século, as diferenças ideológicas das pessoas que se identificam com diferentes partidos políticos não deixaram de crescer na Espanha. Atualmente, segundo o recente estudo NORPOL, do Instituto de Políticas y Bienes Públicos do CSIC [Consejo Superior de Investigaciones Científicas, Conselho Superior de Pesquisas Científicas, em tradução livre] os temas que mais dividem os espanhóis são as medidas para a igualdade de gênero e o sentimento nacional. Acrescenta-se a isto que as questões políticas que geram um maior acordo entre pessoas que se identificam com partidos de esquerda e de direita são muito diferentes. Na esquerda, existe um alto grau de acordo sobre questões como o direito dos casais homossexuais à adoção, o aborto livre e a regulação do preço de aluguéis de moradias. Na direita, há um maior acordo sobre o sentimento de orgulho nacional espanhol e a necessidade de os imigrantes se integrarem à cultura do Espanha. Estes posicionamentos políticos baseiam-se em uma evolução diferencial dos valores, que também ocorreu em outras sociedades. Segundo os estudos do Centro de Investigaciones Sociológicas [Centro de Pesquisas Sociológicas em tradução livre], nos últimos 15 anos, foi aberta uma lacuna importante entre os sentimentos religiosos e os valores econômicos e sociais dos cidadãos de ideologias diferentes.
 

As sociedades divididas estão menos preparadas para enfrentar outros desafios globais como a transição ecológica ou as transformações econômicas, demográficas ou digitais

 
O segundo processo, que parte da própria esfera social, refere-se à crescente fragmentação em diferentes comunidades ideológicas e grupos sociais. Nas últimas décadas, a diferença social, demográfica e geográfica dos eleitores dos diversos partidos aumentou. No nosso dia a dia vivemos em bolhas, rodeados por pessoas que são e pensam como nós. A divisão entre pessoas e grupos com afinidade partidária diferente transcende o campo ideológico ou emocional e chega a questões como os gostos, estilos de vida e os lugares de residência. Tanto na Espanha como em outros países ao redor, o estilo de vida urbano, a alimentação ecológica ou o uso da bicicleta para locomoção estão associados ao progressismo. Enquanto atividades tradicionais, como a caça ou a vida em novos bairros da periferia das grandes cidades, estão associados à ideologia conservadora. A maior diferença ideológica e a crescente homogeneização dos nossos ambientes vitais fazem com que os sentimentos de rejeição contra aqueles que não pensam como nós ou vivem conosco aumentem. Por exemplo, enquanto as pessoas de ideologia progressista mostram uma forte rejeição contra pessoas que negam a mudança climática, o feminismo se transformou em uma fonte de sentimentos negativos para as pessoas de tendência conservadora.

Como vemos, a polarização da sociedade vai muito além da polarização política. O principal risco que enfrentamos é que poderia existir um ponto de inflexão na divisão social a partir do qual a ativação de interesses compartilhados não conseguiria unir os diferentes grupos que compõem a sociedade, inclusive na presença de uma ameaça comum. Isto teria consequências devastadoras para o desenvolvimento de políticas para combater a mudança climática ou as atitudes em relação a migrações internacionais. O problema na maioria das sociedades democráticas atuais é que a combinação da polarização política com a fragmentação social reforça o risco de decomposição e colapso das sociedades democráticas como as conhecemos. Mas inclusive na ausência deste colapso, os efeitos colaterais da polarização política e social sobre a nossa vida cotidiana são importantes. As identidades políticas extremas afetam as nossas vidas profissionais (quem escolhemos como parceiros de equipe) e pessoais (com quem nos relacionamos fora do escritório) em nossos ambientes de trabalho. Além disso, a falta de diversidade ideológica supõe uma ameaça para o bem-estar e a produtividade dos trabalhadores e prejudica os processos de tomada de decisão nas empresas.
 

O principal risco é que poderia existir um ponto de inflexão na divisão social a partir do qual a ativação de interesses compartilhados não conseguiria unir os diferentes grupos

 
Apesar da sua popularidade, a ideia da polarização é contestada tanto política como socialmente. O conceito de polarização assimétrica foi adotado para fazer referência ao fato de que as atitudes divisórias e a contração são produzidas apenas por uma parte do espectro político, por exemplo, pela direita. Para além da veracidade desta interpretação, ela ignora a complexidade do problema, que não deve ser reduzido a uma simples questão de confronto ou, inclusive, teatralização política. A polarização que mais deveria preocupar não é a observada na esfera política, que pode ser inclusive saudável, mas aquela que se infiltra em todos os âmbitos da sociedade, quebrando os espaços de convivência e criando comunidades fragmentadas em suas crenças, valores e estilos de vida.

Luis Miller
Luis Miller
Cientista Titular do Consejo Superior de Investigaciones Científicas (CSIC)

Doutor em Sociologia, trabalhou em instituições como a Universidad del País Vasco, Universidade de Oxford e a Sociedade Max Planck. Também foi pesquisador visitante de várias universidades internacionais. Referência em metodologia experimental em Sociologia, pesquisou a relação entre a situação trabalhista e econômica e as preferências e valores das pessoas, e tem várias publicações de destaque. Exerceu funções como a de assessor do Escritório de Perspectiva e Estratégia do Gabinete da Presidência, assim como de diretor do gabinete presidencial do CSIC. [Espanha]