Comunicação e relacionamento com o talento no pós-Covid

No seguimento das decisões governamentais e das autoridades de saúde que permitiram uma maior flexibilização das regras de isolamento social, algumas empresas regressam progressivamente aos seus modelos operacionais pré-crise. Outras antecipam os próximos passos do regresso à atividade dentro de uma nova realidade, enquanto ainda não existem vacinas ou tratamentos eficazes contra a COVID-19.

Segurança e saúde num contexto corporativo continuam a ser as principais premissas deste regresso ao espaço físico de trabalho, mas há muitas outras questões em causa. Redução de receitas e de investimentos, reavaliação das necessidades estruturais das empresas, transformação de modelos e do próprio negócio, novos riscos e compliance, reestruturações, desafios de operação e de gestão, comunicação e envolvimento – só para darmos alguns exemplos.

No contexto atual, todas estas variáveis estão a redefinir a maneira como cada empresa enfrenta a crise que a pandemia trouxe e, em muitos casos, irão consolidar transformações permanentes nos modelos de trabalho. Um inquérito realizado em julho de 2020 pela LLYC com 24 executivos de Recursos Humanos, Talento ou Gestão de Pessoas[1], trouxe alguns insights interessantes sobre os desafios para promover o verdadeiro talent engagement neste momento que é crucial para as organizações.

Rodeadas de incertezas, mudanças de mindsets e dúvidas quanto a uma nova normalidade, as empresas vivem um momento decisivo a que chamamos de “turning point”, o ponto de inflexão ou do ponto de viragem, no qual é preciso estar pronto para os novos cenários que ninguém pode ainda definir de forma assertiva.

Poucas organizações têm já a certeza de que voltarão aos seus antigos modelos de trabalho e às antigas estruturas, e várias mudanças poderão ser necessárias ou bem-vindas num contexto onde todos procuram retomar as receitas, ajustar despesas e reinventar o negócio para fortalecer a sua sustentabilidade. Na estreia da nova realidade, os principais desafios são o próprio retorno aos modelos antigos de operação, a adoção de bons protocolos de saúde e segurança, a saúde mental e o equilíbrio entre vida profissional e pessoal, o papel das lideranças, a forma de manter o engagement individual e entre diferentes equipas, o foco nas pessoas e o fortalecimento da cultura organizacional.

[1] Este inquérito foi realizado junto de 24 grandes empresas com operações no Brasil nos setores de infraestrutura, energia, tecnologia, saúde e farmacêutica, além de serviços financeiros e profissionais.

Em tEm todos os desafios do momento, a comunicação exerce um papel estratégico e foi uma das maiores dificuldades enfrentadas pelas empresas. Com a premissa de que se a tecnologia já era fundamental, agora sobe nas escala de prioridades

Durante este primeiros cinco meses de pandemia – que implicaram um aumento das restrições de atividades económicas e das políticas de isolamento social pelas autoridades e, depois, uma maior flexibilização dentro de uma “nova normalidade” –, não foram poucas as dificuldades enfrentadas pelas organizações de todas as dimensões e setores da economia. Entre as maiores barreiras identificadas pelas empresas está, em primeiro lugar, a queda nas receitas e a diminuição dos investimentos nas empresas; e, num segundo plano, a necessidade de manter o trabalho presencial em atividades consideradas essenciais e os riscos para saúde e segurança que essa situação acarreta.

As dificuldades na comunicação aparecem como terceiro obstáculo mais relevante – sendo melhor avaliada a comunicação entre a alta gestão e as principais lideranças do que aquela que existe entre as diferentes equipas. Temas como a adaptação ao teletrabalho, questões relacionadas com tecnologias e sistemas, cortes salariais e demissões – que farão parte dos novos cenários a longo prazo –, são menos destacados nesta etapa da crise.

A comunicação interna ganhou uma importância redobrada nas organizações. Apesar de muitas empresas já estarem a desenvolver programas estruturados nessa área, a pandemia da COVID-19 amplificou a necessidade de manter e fortalecer o relacionamento entre pessoas e equipas, e, consequentemente, trouxe um aumento de atividades, informações e ações de engagement, nem sempre com o investimento de mais recursos financeiros.

A comunicação interna continuará a exercer um papel preponderante nas novas transições que se desenham, mas os inquiridos neste estudo apontam para a necessidade de esta disciplina se renovar nas formas, conteúdos e abordagens para que possa continuar a contribuir de forma efetiva. Será preciso colocar no primeiro plano as preocupações, anseios e riscos reais relacionados com a segurança e saúde dos colaboradores, e mais do que adotar protocolos e procedimentos severos, promover uma comunicação clara, objetiva e contínua, que também responda às questões emocionais e individuais, e que portanto faça com que todos se sintam parte de compromissos coletivos.

Há uma necessidade urgente de reinventar formatos, após meses de excesso de videoconferências e lives que pretendiam suprimir a sensação de falta de interação e proximidade e a urgência coletiva pelo sentimento de alta produtividade e compromisso. O uso da tecnologia trouxe mais simplicidade à comunicação interna, uma tendência que se deverá fortalecer, mas será preciso criar novas ferramentas,  espaços de conversação e mecanismos que possam suprimir as lacunas relacionais, inclusive em formatos híbridos, nos quais existirá rotatividade de colaboradores a trabalhar nas dependências da empresa para aumentar o distanciamento físico, enquanto medida preventiva.

Mais do que canais, conteúdos e eventos produzidos, o foco deve ser nas pessoas, e a visão dos gestores de Recursos Humanos é de que deverá apoiar também a saúde mental, o equilíbrio entre vida pessoal e profissional e outros aspectos pessoais dos colaboradores, que, no entanto, deverão ser trabalhados também a partir das decisões e pontos de vista individuais. Há percepções convergentes de que o foco no bem-estar passou a ser uma atribuição relevante das organizações, e, também das lideranças, porque irá impactar diretamente na motivação, na produtividade e nos resultados. E muitos vão além: o tom de voz e o foco no bem-estar e nas pessoas vão-se manter, mesmo com um maior aumento do controlo sobre os avanços da pandemia.

“As estratégias de engagement interno mais bem-sucedidas durante a crise serão as que têm por base a escuta da procura coletiva e individual e o foco nas pessoas, e irão ajudar a consolidar uma cultura corporativa forte e verdadeira”

Considerando uma visão a longo prazo, é importante assinalar os impactos que vão muito além da capacidade de adaptação a novos modelos operacionais, a capacidade de reação e superação de todas as dificuldades, o retomar dentro de uma nova ou da antiga normalidade. As experiências vividas desde o início da pandemia até à procura de saídas para a crise vão exigir que a comunicação interna tenha a força necessária para ajudar a manter, fortalecer e disseminar a cultura organizacional, dentro de um contexto novo, incerto e desconhecido para todos. Há preocupações em relação a novos colaboradores que foram contratados durante a pandemia, a força da comunicação da liderança em novos formatos de trabalho, a redução das trocas de experiências, a perda do valor dos momentos formais e corporativos, informais e afetivos.

“Os desafios deste momento são manter a proximidade das equipas, melhorar o relacionamento entre o líder e o colaborador, entender os melhores pontos de engagement das equipas, e, no final, colher os frutos de uma cultura corporativa forte e verdadeira”, resume um dos participantes do estudo. Junto a tantas incertezas, a crise parece também trazer a promessa de que há oportunidades de fortalecimento para os que se souberem adaptar rapidamente às adversidades, ser resilientes aos impactos negativos e velozes no regresso, com uma comunicação efetivamente estratégica, que crie, antes do engagement, confiança.

Autores

Andrea Lie Iwamizu