Anatomia de um debate polarizado: Como foi feito o SEM Filtro

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19 mar 2025

A igualdade está perdendo espaço. Nos últimos três anos esta perda se traduziu em 60% menos buscas na internet, 50% menos no caso do feminismo. Além disso, vários estudos atestam o crescimento de uma lacuna ideológica entre gêneros, principalmente entre os mais jovens. O Financial Times revela que menos da metade dos homens da geração Z aceita a causa como legítima, enquanto 72% das mulheres a apoiam.

Tendências de buscas na internet sobre temas relacionados à igualdade em nível mundial.

 
A igualdade não apenas está retrocedendo como preocupação social, mas também se encontra em uma situação de crise de reputação.  No debate social, uma em cada duas mensagens críticas à igualdade a caracteriza pelo seu alinhamento ideológico e pela sua suposta radicalização. Ou seja, a metade das vezes que alguém se manifesta contra a igualdade é porque a entende como um movimento de radicais, hiperbólico, ligado a interesses partidários. Os poucos perfis céticos que têm dúvidas a respeito da igualdade (2%) não se sentem atraídos pelo debate já que, desde a moderação, não se sentem identificados com este “radicalismo” que os contrários ao feminismo lhe atribuíram. Neste ponto, propomos duas hipóteses: as feministas são muito radicais?  E quanto o são aqueles que as acusam?

É inegável que o debate sobre igualdade está polarizado. Simplificando bastante para facilitar a compreensão, podemos dizer que um debate está polarizado quando mais de 80% das interações sociais são apoiadas por um lado ou outro, ou seja, existem duas únicas posturas ou polos. Na LLYC, dispomos de várias métricas para quantificar a natureza destes cenários nos quais intervêm o volume, a hostilidade, a divergência e a atmosfera. Embora, normalmente, um debate não polarizado seja mais rico e variado (mais pontos de vista, de reflexão, de opinião…), nem sempre o debate polarizado é tóxico. Por exemplo, o debate sobre “pizza com ou sem ketchup” é um debate polarizado, mas nem o ambiente é negativo nem existe hostilidade (normalmente). 

Sabendo de tudo isso, precisamos de uma metodologia que revele a estrutura de cada lado para responder à hipótese. Para isso, nos aprofundaremos nas comunidades que ficam isoladas em um lado ou outro do debate. Como muitos sabem, os sociogramas que propomos na LLYC baseiam suas comunidades em métricas de interação.  Ou seja, os perfis não necessariamente tratam semanticamente da mesma coisa, mas interagem entre eles em formato de “tribos” ou comunidades. Esta segmentação é possível graças a algoritmos de clusterização (neste caso o Louvain. Com estas comunidades divididas em dois grandes lados, damos zoom em cada postura e passamos a explorar uma segunda derivada em Inovação.

Sociograma do setor feminista (esquerda) e antifeminista (direita) na Espanha.

 
Por sua vez, cada lado é composto de várias comunidades. Para analisar cada lado, propomos métricas de densidade baseadas no Intervalo Interquartil (IQR) e nos limites de relevância para excluir ruído. 

Descrição da metodologia

1 – Coletamos conversas sociais em função de uma query, isolando o debate sobre igualdade em uma janela de tempo específica e em um determinado país. Representamos esta conversa em um gráfico: os pontos representam perfis e as linhas que os unem representam as interações entre eles (repostagens). Foi demonstrado que em praticamente todos os casos, repostar (diferente de responder ou dar like) significa afinidade ideológica.

2 – Para rotular as comunidades, o algoritmo Louvain otimiza os grupos de acordo com a modularidade. A modularidade mede a intensidade das conexões “dentro” das comunidades em comparação com a densidade das conexões “entre” comunidades. Modelos como este, que inferem soluções sem terem sido treinados com dados rotulados — por meio de algoritmos —, pertencem ao conjunto de modelos de aprendizado não supervisionado.

3 – A grande maioria das conversas analisadas sobre igualdade está polarizada, o que implica que o sociograma se mantém em um eixo: em uma extremidade está a posição a favor e na outra, a posição ideológica contrária. Essa característica nos permite trabalhar com uma projeção dos valores em um eixo. Esse processo de reduzir de duas dimensões para uma (de um sociograma para um eixo) é chamado de redução de dimensionalidade.

Figura que resume os três passos principais. As interações mais recorrentes são representadas com linhas duplas.

 
4.- Podemos afirmar que os perfis que estão mais próximos do centro do eixo são mais moderados, enquanto os que estão mais próximos das extremidades são os mais radicais. O mesmo acontece com as comunidades. Depois de projetar estes perfis sobre o eixo (normalmente em bins ou intervalos) obtemos uma distribuição, um diagrama de densidade: maior altura representa mais perfis dentro deste intervalo (mais frequência).

 

Neste caso, o intervalo interquartil do lado feminista é, às vezes, três vezes maior do que o do antifeminista, demonstrando uma maior diversidade entre as comunidades que o compõem.

 
Resultados e conclusões

Os resultados são esclarecedores. Mundialmente, os lados pró-igualdade estão 17% mais dispersos do que os lados antifeministas (em países como Espanha, Colômbia e Equador, duas vezes mais), sendo formados geralmente por mais comunidades com diferentes opiniões.  Isto é visto nos sociogramas em várias comunidades. Os diagramas de densidade refletem isto com curvas de maior distribuição (feministas) versos curvas mais concentradas e afastadas da moderação (antifeministas).

Densidade dos setores feministas e antifeministas segundo o grau de radicalização na Espanha e na Colômbia.

 
Ou seja, enquanto dentro do espaço da igualdade tende a existir variedade de opiniões em vários assuntos (violência de gênero, equidade no trabalho, diversidade, etc., favorecendo um debate mais rico no qual, inclusive, existem pontos de discordância entre as partes), o lado antifeminista tende a se formar como um grupo monolítico cujo único propósito é derrubar uma caricatura criada por eles próprios:

Atributos mais recorrentes empregados pelo lado antifeminista para estigmatizar as posturas pró-igualdade.

 
Em termos técnicos, a concentração das comunidades dentro de cada lado é suficiente para determinar o radicalismo da postura, uma vez que esta se torna mais dogmática e impensada quanto maior a concentração. Mas existem outros aspectos que demonstram isto:  

  • Uma em cada três mensagens antifeministas é curta e emotiva, enquanto o setor pró-igualdade tende a gerar mensagens 10% mais desenvolvidas, argumentadas e refletidas sobre o seu posicionamento. Lamentavelmente, os algoritmos de muitas redes sociais premiam a emotividade e a difusão “fácil”, dotando-as de maior engagement.
  • Quatro em cada cinco mensagens antifeministas estão politizadas (80%), quando normalmente o setor pró-igualdade mostra 50% de politização.
  • A probabilidade de um cético em relação à igualdade se radicalizar é 1,6 maior do que quando nos referimos a um moderado pró-igualdade. Isto se deve, em primeiro lugar, à maior diversidade de comunidades dentro do posicionamento feminista e, em segundo lugar, à menor presença política nas comunidades de maior difusão.
  • O discurso de ódio é qualitativamente maior nos setores antifeministas. Enquanto os termos pejorativos mais utilizados por feministas são “misógino” ou “retrógrado”, no polo oposto, são usados termos ofensivos como “puta” ou “mal comida”.

Infelizmente, embora os nossos estudos determinem que a associação entre igualdade e radicalismo e partidarismo seja indevida — especialmente quando contrastada com opiniões contrárias —, o posicionamento antifeminista está ganhando força exatamente por ser mais emotivo, rápido, politizado e dogmático. Os algoritmos das redes sociais “premiam” este tipo de conduta e as métricas de engagement demonstram isto.  A igualdade enfrenta o desafio de “desvandalizar” esta percepção e transmitir as virtudes de uma sociedade mais igualitária.

Esta é a contribuição que os relatórios de igualdade da LLYC querem dar.  Todos, como é o caso do mais recente, intitulado “Sem filtro”, abordam este enorme desafio da escuta do debate digital e permitem detectar as grandes tendências do momento e sugerir medidas que beneficiem todos. 

Para aprofundar esses resultados, você pode acessar o relatório completo aqui e assistir ao vídeo aqui:

Alejandro Buegueño
Global Innovation Senior Consultant